Petista uniu esquerda, acumulou deslizes e ficou à sombra da corrupção

02/10/2022 08:00
Por Beatriz Bulla e Luiz Vassallo / Estadão

O petista Luiz Inácio Lula da Silva recebia um ex-ministro de seu governo em sua casa pela manhã quando, como de costume, seu celular tocou. Do outro lado da linha, o ex-prefeito Fernando Haddad trazia notícias sobre a aproximação com Geraldo Alckmin, da qual Lula já estava ciente. O ex-presidente deu um sorriso discreto, passou a mão no bigode e virou-se para o interlocutor: “O que você acharia de uma chapa minha com o Alckmin?”. “Pela sua cara de entusiasmo, acho que daria certo”, ouviu.

Era mais uma das etapas do namoro que já havia começado algumas semanas antes, por intermédio de Haddad e de Gabriel Chalita, que nortearia a sexta campanha – e a última, segundo ele.

Na época, Alckmin ainda precisava de uma sigla para abrigá-lo. Depois de ver a ascensão e a derrocada do PT, o ex-presidente repetia a quem quisesse ouvir que precisaria de duas coisas para uma boa candidatura. Primeiro, um check-up médico com seu cardiologista, Roberto Kalil. Depois, a construção de uma frente anti-Bolsonaro que pudesse sinalizar ao País que ele não concorreria por revanche, mas por pacificação social.

Lula vinha da prisão, condenado na Lava Jato. Perdeu, durante os 580 dias no cárcere, o neto Arthur, de 7 anos, o irmão Vavá e um dos melhores amigos, o advogado Sigmaringa Seixas. Só pôde comparecer ao velório de Arthur.

FRENTE

Lula deixou a prisão em 8 de novembro de 2019, mas continuava cético sobre a volta à política. Na época, a condenação por corrupção e lavagem de dinheiro continuava de pé e ele fora solto porque o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou o entendimento sobre a prisão após julgamentos de segunda instância. Foi em março de 2021 que o petista recebeu, em casa, a notícia de que os processos haviam sido anulados e se tornara de fato um postulante ao Palácio do Planalto.

A aproximação com Alckmin, com quem já trocou “caneladas”, começou no primeiro semestre do ano passado e os dois apareceram em público pela primeira vez juntos em dezembro, em jantar organizado pelo Prerrogativas. O grupo, liderado pelo petista Marco Aurélio Carvalho, é composto por advogados de acusados na Lava Jato que criticavam os métodos da força-tarefa que revelou o esquema de desvios na Petrobras – tema sobre o qual o petista foi reiteradamente chamado por adversários a se explicar nesta eleição.

A esquerda chega unificada em torno de Lula, que atraiu também setores e siglas de centro. O arco de alianças é superior aos pleitos anteriores e engloba PSB, Solidariedade, PSOL, Rede, Avante, Agir, PROS, PCdoB e PV. Antigos desafetos, como quadros históricos do PSDB, juntaram-se à candidatura. Parte do MDB também embarcou.

Na lista de personalidades que pedem voto a Lula estão Marina Silva (Rede), o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, um dos autores do impeachment de Dilma Rousseff, Miguel Reale Júnior, sete ex-ministros de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e cinco ex-ministros do STF, incluindo o relator do mensalão, Joaquim Barbosa.

‘GARANTIA’

Alckmin passou a ser apresentado como um fiador do compromisso com a responsabilidade fiscal e foi colocado para abrir caminho no interior de São Paulo e em setores resistentes ao PT, como o agronegócio. A volta à política exigiu também uma espécie de reconciliação entre Lula e o empresariado. O petista usa seus dois mandatos como “garantia”. Ele deixou o governo com mais de 80% de aprovação.

Sob o argumento de evitar desgastes com aliados, o ex-presidente não apresentou uma versão final de seu programa de governo. Um dos temas sobre os quais há pouca clareza é a nova âncora fiscal para substituir o teto de gastos, que será revogado em um eventual governo Lula 3.

Nos últimos meses, Lula fez movimentos ora para a base petista, ora para o centro. Em comícios e entrevistas, acumulou escorregões e teve de se retratar depois. Foi assim quando disse que Bolsonaro não gosta de gente, mas, sim, de policiais, e quando se referiu a parcela do agronegócio como “fascista e direitista”. Afirmou ainda tratar aborto como questão de saúde pública, pauta que agrada à base, mas afasta o eleitorado evangélico, que o PT perdeu para Jair Bolsonaro (PL).

O partido não poupou dinheiro na disputa presidencial. Foram R$ 57 milhões empenhados, de uma receita de R$ 90 milhões composta quase toda por fundo eleitoral. Somente o marqueteiro Sidônio Palmeira custou R$ 25 milhões. Ele foi o responsável por combinar, nas peças, a cor vermelha do PT com o verde e amarelo para reforçar a imagem centrista.

CASAMENTO

Em maio, na pré-campanha, Lula se casou com a socióloga Rosangela da Silva, a Janja, que integrou a vigília na frente da carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Tem se dito feliz, aos 76 anos, com “energia de 30 e tesão de 20”.

Após sair da prisão, o ex-presidente deixou o apartamento onde morava em São Bernardo e se mudou para o Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. Com Lula cercado de segurança em bairro de alto padrão, a preocupação dos agentes passou a ser a campanha na rua. O petista aposta na força do corpo a corpo e do seu contato com a militância. “Eu vou deixar de abraçar uma senhora que fica quatro horas na chuva ou no sol me esperando? Não vou”, diz Lula a seus seguranças.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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