PF indiciou desembargador por corrupção ‘em que pese não haver confirmação do pagamento’

08/nov 14:57
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo / Estadão

A defesa do desembargador Ivo de Almeida, afastado do Tribunal de Justiça de São Paulo na Operação Churrascada – investigação sobre suposto esquema de venda de sentenças na Corte paulista -, avalia ter encontrado no próprio relatório final do inquérito da Polícia Federal trechos que podem ajudar a derrubar acusações que pesam contra ele, a principal delas por corrupção passiva.

Em uma passagem, o documento diz. “Em que pese não haver confirmação do pagamento e da decisão favorável ao habeas corpus (…) há elementos nos autos que confirmam a consumação dos crimes de corrupção passiva e ativa.”

A cargo dos criminalistas Átila Machado e Luiz Augusto Sartori de Castro, a defesa do desembargador estuda usar essas conclusões da PF para tentar neutralizar suspeitas e recolocar Ivo de Almeida em sua cadeira de presidente da 1.ª Câmara de Direito Criminal do TJ, da qual ele está afastado desde junho, por ordem do ministro Og Fernandes, relator da Operação Churrascada no Superior Tribunal de Justiça.

“O desembargador Ivo de Almeida foi indiciado sem que houvesse confirmação de pagamentos (de propinas)”, assinala Átila Machado. “Não existiram pagamentos. E a própria Polícia Federal confirma em sua investigação que nenhuma decisão foi proferida (por Ivo) em plantão.”

O ponto central da investigação, que dá o nome Churrascada à operação, são as palavras ‘picanha’ e ‘carne’ – a PF acredita que eram senhas que teriam sido usadas por advogados, lobistas e intermediários como referência aos períodos em que Ivo estaria no plantão do TJ, o que, segundo os investigadores, ampliaria a possibilidade de a organização criminosa obter decisões favoráveis em pedidos de habeas corpus para traficantes, assaltantes e falsários.

Após confrontar o que considera negociações ilícitas em ‘circunstâncias’ como ‘comportamentos e personalidades dos investigados, inclusive do magistrado’, a PF mapeou quatro casos em que teria ocorrido venda de sentenças, em seu entendimento.

Um capítulo que a PF analisou é o de Lívia Carnicer Sacoman, condenada a 8 anos e quatro meses de prisão sob acusação de furto mediante fraude, por 158 vezes, causando prejuízos de R$ 3,1 milhões. Como mostrou o Estadão, foi nesse processo que os investigados teriam usado a senha ‘picanha’ para se referir à venda de sentença.

Dois personagens, Valmi Lacerda Sampaio e Wilson Vital de Menezes Júnior, seriam o elo do desembargador com o esquema – o primeiro deles, já falecido, era dono de um posto de gasolina onde seria lavado dinheiro de propinas.

O posto fica localizado à rua Conselheiro Furtado, no bairro da Liberdade, próximo ao prédio-sede das câmaras de direito criminal do TJ.

No relatório final da Operação, que levou ao indiciamento de Igor, o delegado federal André Luiz Barbieri (Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros da PF em São Paulo) assinalou que o desembargador e os intermediários “mantiveram, por três anos, conversas delirantes, esquizofrênicas e sem amparo na realidade, acreditando que estavam comprando e vendendo decisões ilusórias”.

Os agentes federais destacam “indícios de que, ao informar, insistentemente, que haveria o tal ‘churrasco’ nos sábados em que seria o plantão judiciário de Ivo, Valmi estaria agindo conjuntamente com o próprio desembargador, caracterizando a solicitação de vantagem indevida”. Mas reconhecem, em seguida. “Ainda que nenhuma decisão tenha sido proferida.”

“A análise deste último (Ivo de Almeida) foi corroborada, em especial, pelas conversas registradas em seus dois aparelhos celulares apreendidos, encontros presenciais frequentes e pela vultosa movimentação financeira em espécie sem origem comprovada”, diz um trecho do documento subscrito pelo delegado André Luiz Barbieri.

Em um outro episódio, de estelionato e roubo – antecipado pelo Estadão – a PF entende que há elementos que endossam a consumação dos crimes de corrupção passiva e ativa “em que pese não haver confirmação do pagamento e da decisão favorável”.

Durante as investigações, Wilson Menezes Júnior alegou à PF que “nunca repassou pedidos de processos ao desembargador”.

A PF diz que localizou uma mensagem no celular de Ivo, na qual Wilson “encaminha ao magistrado um mandado de prisão relacionado a um processo que o próprio desembargador atuava em segunda instância, corroborando com os indícios de que ambos tratavam de assuntos escusos de processos judiciais”.

O relatório final da Operação Churrascada assinala, ainda, que a investigação não encontrou “qualquer registro de transferência bancária da conta do posto de gasolina (de Valmi)” a Ivo de Almeida. Mesmo assim, os investigadores imputam ao magistrado corrupção e lavagem sob o argumento de que, em meses seguintes à suposta negociação de decisões judiciais, Ivo pagou seis faturas do cartão de crédito, todas com uma média de R$ 20 mil, com recursos em espécie, “o que não ocorria até então”.

Um outro caso citado nos autos da Operação Churrascada levou ao indiciamento de um narcotraficante internacional, Romildo Hosi, apontado como homem de confiança de Fernandinho Beira-Mar, chefão do crime organizado que cumpre pena em presídio federal de segurança máxima.

Hosi foi condenado a 39 anos de prisão por tráfico de cocaína. Neste caso, a suspeita era que a propina negociada teria sido de R$ 1 milhão em troca da concessão de um habeas corpus para soltar o traficante.

A PF diz que a consumação do crime de corrupção passiva se deu com a aceitação da promessa de vantagem indevida.

“Os investigados ficaram meses negociando apenas quando seria o momento oportuno para se dar o protocolo do recurso judicial, mas a aceitação da promessa por Ivo de Almeida já teria ocorrido desde o início. O protocolo ainda não tinha sido realizado pois a situação estava complicada com a notícia da soltura do traficante André do Rap, bem como a necessidade de alteração do presídio de destino que deveria ser Cuiabá (MT) e não mais Campo Grande (MS)”, sustentam os investigadores em referência ao líder do PCC que foi solto há alguns anos pelo então ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal.

O inquérito diz que Wilson Junior, suposto intermediário do grupo com o magistrado, cobrava documentos dos advogados de Hosi, o que, na avaliação da PF, confirma que a aceitação da propina já havia ocorrido.

Nesse trecho, o relatório cita o nome de outro investigado, o advogado Luís Pires Moraes Neto, que teria viajado ao Paraguai para pegar R$ 1 milhão supostamente destinados ao magistrado.

Não há indícios de que o dinheiro tenha sido pago, mas a PF frisa que, “em nenhum momento, a oferta de Luís Pires e Wellignton Pires da Silva (advogados de Hosi) foi recusada” pelo desembargador, através de Wilson.

“Para caracterizar a anuência da proposta indecente não é necessária uma resposta explícita do funcionário público, especialmente quando este ocupa cargo em alto escalão do Poder Judiciário. No caso em análise, o comportamento de Ivo de Almeida, através de Wilson Júnior, indica a anuência tácita ou sub-reptícia da proposta indevida”, diz a PF.

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