PF investiga venda de sentenças no TJ-SP; desembargador é afastado

21/jun 08:08
Por Pepita Ortega e Fausto Macedo / Estadão

Uma investigação da Polícia Federal sobre suspeita de venda de decisões judiciais atingiu nesta quinta-feira, 20, a maior Corte estadual do País: o Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador Ivo de Almeida, presidente da 1.ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, foi afastado cautelarmente das funções, por determinação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes. Houve buscas na residência do magistrado e em seu gabinete no centro da cidade.

Equipe de 80 agentes também vasculhou endereços em outros municípios do Estado. Ao todo, foram autorizados por Og Fernandes 17 mandados de busca e apreensão. Além do desembargador, advogados de regiões como Ribeirão Preto e Taboão da Serra são suspeitos de participação no esquema. O ministro do STJ proibiu o contato entre os investigados e a entrada de alguns deles no Tribunal de Justiça de São Paulo.

A ofensiva de ontem foi batizada de Operação Churrascada, em razão de os investigados, segundo a PF, usarem o termo “churrasco” para se referir ao dia do plantão de Ivo de Almeida no TJ-SP – de acordo com os investigadores, ele negociaria sentenças judiciais de casos sob sua relatoria e em processos que chegavam a ele no plantão judicial.

Procurado por meio de seu gabinete, o desembargador Ivo de Almeida não havia se manifestado até a publicação deste texto. A Corte paulista respondeu que vai cumprir as determinações do STJ e adotará as providências cabíveis.

A decisão de Og Fernandes, relator do caso no STJ, prevê o afastamento de Ivo de Almeida por um ano. Com 66 anos de idade e 37 de carreira, Almeida foi alçado ao cargo de desembargador em 2013. Ingressou na magistratura em 1987, e teve passagens em varas de Bauru, São Bernardo do Campo, Cananeia e Registro.

Na capital, o desembargador atuou na 2.ª Vara Criminal e no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Foro Regional de Santana. Foi juiz corregedor do Carandiru em 1992, quando houve o massacre que deixou 111 mortos na penitenciária.

Desdobramento

A PF informou que a Operação Churrascada é um desdobramento de outra ofensiva, a Operação Contágio, aberta em 2021. A Contágio apurou suspeita de desvios de recursos da Saúde por meio de uma organização social que fechou contratos com os municípios paulistas de Embu das Artes, Itapecerica da Serra, Hortolândia, São Vicente e Cajamar.

Um dos alvos da Churrascada, Wellington Pires da Silva, foi indiciado na Contágio, em 2021, que apontou suspeita de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Os investigadores estimam que mais de R$ 40 milhões foram desviados pelo esquema desbaratado na Contágio. A PF indiciou 27 investigados.

O relatório final do caso, de mais de 200 páginas, detalhou os passos da investigação que durou quase dois anos, ouviu mais de 40 pessoas e contou com duas etapas ostensivas, realizadas em abril e maio de 2021, com o cumprimento de diversos mandados de prisão e de busca e apreensão.

Habeas corpus

Conforme a PF, três alvos da Operação Churrascada constam como partes de um habeas corpus e de uma apelação criminal julgados pelo TJ de São Paulo em 2019, sob relatoria do desembargador Ivo de Almeida. O episódio levantou suspeitas dos investigadores.

O habeas corpus foi impetrado pelo advogado Luiz Pires Moraes Neto em benefício de Adormevil Vieira Santana. Este, junto com Sérgio Armando Audi, foi condenado pela 21.ª Vara Criminal de São Paulo a sete anos de reclusão, em regime fechado, por roubo agravado e estelionato, sem direito de recorrer em liberdade.

A defesa dos sentenciados alegava excessiva demora na análise do recurso ajuizado contra a condenação, pedindo a liberação de Adormevil. Nos termos do voto de Ivo de Almeida, a 1.ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo negou a ordem, sob o argumento de que analisaria a apelação da defesa.

Meses depois, o mesmo colegiado da Corte acolheu parcialmente o recurso da defesa e alterou o regime inicial de cumprimento de pena de Adormevil Santana e Sérgio Audi para o semiaberto. Então relator, Almeida entendeu que era cabível abrandar o regime de cumprimento de pena, “apesar da reincidência dos réus”.

Luiz Pires Moraes Neto, Adormevil Santana e Sérgio Audi não foram localizados.

Corte diz que cumprirá as determinações do STJ

Em nota, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) afirmou que vai cumprir todas as decisões do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes tomadas no âmbito da Operação Churrascada.

“O Tribunal de Justiça, por seu presidente (desembargador Fernando Antonio Torres Garcia), informa que não houve prévia comunicação da operação desencadeada pela Polícia Federal. De qualquer modo, a presidência do tribunal cumprirá, incontinenti, as determinações emanadas do Superior Tribunal de Justiça”, afirma o comunicado. A Corte também disse que, “assim que tiver acesso ao conteúdo do expediente, adotará as providências administrativas cabíveis”.

As suspeitas que recaem sobre o desembargador Ivo de Almeida provocaram grande impacto no TJ-SP e entre advogados penalistas. Alberto Zacharias Toron, com ampla atuação em ações na Corte estadual, esclareceu que não defende Almeida, mas deu seu testemunho. “Conheço o desembargador há mais de 30 anos, e sempre o tive como um juiz sério, honesto, correto. Custo a acreditar que isso seja verdade. Espero que os fatos sejam bem esclarecidos e que tudo se revolva bem, porque é um excelente juiz”, afirmou.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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