Pinacoteca explora a relação entre os artistas e as máquinas em exposição
A “máquina do mundo” é citada desde os gregos como um sistema referente à cosmogonia que Camões aproveitou no décimo canto de Os Lusíadas e Carlos Drummond de Andrade usou em seu poema homônimo, publicado em Claro Enigma. Em A Máquina do Mundo, o poeta mineiro reflete sobre o papel do homem num mundo em que impera a técnica. Baseado nesses princípios, o curador José Augusto Ribeiro concebeu a mostra A Máquina do Mundo: Arte e Indústria no Brasil 1901-2021, que será aberta neste sábado, 6, na Pinacoteca. A exposição, que reúne mais de 100 artistas e 250 obras, resume uma história centenária da relação dos artistas com a indústria, desde o registro de um filme com Santos Dumont até a produção de jovens artistas contemporâneos como a gaúcha Romy Pocztaruk, cujo trabalho explora a experiência nuclear brasileira.
No caso de Santos Dumont, o cineasta e professor Carlos Adriano reuniu em seu curta Santoscópio=Dumontagem uma cena rara do encontro, em 1901, do pai da aviação com o empresário inglês Charles Stewart Rolls (1877-1910), criador da Rolls-Royce. Nela, aparentemente, Dumont explica a Rolls sua invenção no ano em que fez um voo com dirigível ao redor da Torre Eiffel. Detalhe: Rolls foi o primeiro britânico a morrer num acidente aéreo. Adriano recuperou o registro numa pesquisa realizada em 2002 – são 1.339 cartões fotográficos que, vistos num dispositivo chamado mutoscópio, faziam as vezes de um filme.
MUNDO OPERÁRIO
Sobre carros, a exposição traz um de verdade para dentro do museu, o Big Fusca (2003) que o escultor paulistano Sérgio Romagnolo moldou com plástico vermelho. Como se sabe, a indústria automobilística foi sempre associada à emergência da modernidade no Brasil e identificada especialmente na era JK com a transformação do panorama político e cultural. O falecido presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) – que morreu, aliás, em um desastre de automóvel – é homenageado numa pintura do baiano Aurelino dos Santos, que viveu num barraco de zinco em Ondina, até ser incentivado por Lina Boa Bardi.
Embora Aurelino, ex-cobrador de ônibus, seja considerado naïf, suas composições geométricas estão longe de comportar essa classificação. Diagnosticado como esquizofrênico, os elementos dessa pintura justificam o título da exposição, pois se trata de uma construção comparável a uma máquina, um motor em que cada peça impulsiona a seguinte.
Muitos dos artistas que participam da exposição, lembra o curador, fizeram de seu trabalho uma elegia ao mundo operário, de Tarsila (que comparece com um esboço da histórica tela Operários, de 1933) a Djanira (representada por três pinturas, uma delas realizada em Itabira, terra de Drummond). “Vale lembrar que José Miguel Wisnik, em Maquinação do Mundo, fala da relação do poeta com a atividade mineradora, que marcou sua obra”, diz o curador. De modo similar, Djanira, que nasceu em Avaré (SP), sempre esteve próxima das pessoas simples e dos trabalhadores.
TÉCNICAS
Dos modernistas, além de Tarsila estão na exposição Di Cavalcanti e Guignard, entre outros grandes. As técnicas variam de gravuras e fotografias a esculturas e instalações. Do engajado gravador paulista Lívio Abramo ao pintor carioca Eugênio de Proença Sigaud (representado pela tela Acidente de Trabalho, de 1944), a exposição traz exemplos de militância política por meio da arte.
Isso não traduz a predominância de figurativos na mostra. Há pintores que abraçaram a abstração (Milton Dacosta, Fiaminghi, Sacilotto, Charoux) e escultores dedicados a explorar essa linguagem (Mary Vieira, Amilcar de Castro, Franz Weissmann). Para a mostra, foram produzidos três trabalhos inéditos de Ana Linnemann (A Mesa de Ateliê 4), Artur Lescher (Riovenir), que faz referência às esteiras de linha de produção, e Raul Mourão (Pilha/Torre). Como parte da programação, a Pinacoteca e o Teatro Municipal apresentam, 26 e 27, um concerto com peças musicais de Charles Ives, Varèse e Villa-Lobos.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.