Pintor Rubem Valentim ganha livro e mostra

25/07/2022 19:37
Por Antonio Gonçalves Filho / Estadão

O centenário do artista baiano Rubem Valentim (1922-1991), marcado por uma série de homenagens, ganha agora um livro escrito e organizado por outro artista, Bené Fonteles, que o conheceu quando ambos participaram da 14ª Bienal de São Paulo, em 1977. Nela, Valentim expôs uma de suas principais obras, o Templo de Oxalá, recentemente remontado (em abril) numa exposição da galeria Almeida &Dale. O livro agora publicado pela Edições Pinakotheke, edição bilíngue com patrocínio do Itaú Cultural, acompanha a nova exposição de Rubem Valentim, Sagrada Geometria, em cartaz até sábado, dia 30, na galeria de Max Perlingeiro.

A exposição reúne aproximadamente 100 trabalhos do artista, entre pinturas, desenhos e esculturas de madeira. A curadoria é de Perlingeiro com consultoria de Bené Fonteles, que, a pedido de Valentim, segundo o galerista, tornou-se o Ogã (o que cuida da vida e obra) do seu terreiro. Bené estreitou seus laços de amizade com Valentim em 1978, quando foi morar em Brasília.

Esse é um grande diferencial em relação a outras publicações sobre o mestre baiano: Bené teve acesso à intimidade de sua casa e a documentos de um artista que, em 1976, redigiu e publicou o histórico Manifesto Ainda Que Tardio, guia definitivo para o entendimento de sua pintura religiosa de difícil classificação. E muitos críticos de alta reputação, entre eles o italiano Giulio Carlo Argan, escreveram sobre ele. O livro traz textos de intelectuais como Mário Pedrosa e o poeta Ferreira Gullar, o colecionador Theon Spanudis, que deu apoio a Valentim em São Paulo, e os críticos Roberto Pontual, Clarival do Prado Valladares e Olívio Tavares de Araújo, entre outros.

Para Bené Fonteles, a radicalidade de Rubem Valentim era a de um “artista sacerdote” que, confinado em seu ateliê, mais próximo de uma cela monástica, desenvolveu seu projeto de vocação construtiva inspirado pela arte ameríndia e por seus antepassados africanos.

“Valentim é produto vital desse ser mestiço que nos tornamos e, talvez, seja o artista que fez melhor e mais intensamente a síntese sincrética em todas as Américas afetadas por uma colonização brutal que ainda atormenta a consciência no século 21”, escreve Fonteles.

De família católica, que, “de quando em vez ia ver um caboclo num candomblé”, Rubem Valentim começou a pintar orientado por um pintor decorador de paredes, Arthur, apelidado de Come Só por seu jeito reservado, sempre fazendo suas refeições sozinho. Mas seu primeiro contato com a arte contemporânea se deu em 1948 numa exposição montada na Biblioteca Pública de Salvador pelo escritor Marques Rebelo.

Valentim a viu várias vezes e acabou alugando um sobrado, transformando-o em ateliê. Copiando Cézanne, Matisse e Klee, o artista brasileiro enfrentou uma crise criativa, perdeu a cabeça, rasgou seus cadernos de desenho e estudos e destruiu suas telas em 1951. Salvou-o o irmão, que lhe emprestou dinheiro para comprar novamente material de pintura.

Há no livro um texto do crítico Frederico Morais que fala do período, em que Valentim participou do grupo Novos Artistas Baianos (Mário Cravo Neto, Jenner Augusto e Lygia Sampaio) e de uma exposição coletiva que foi um marco na renovação das artes na Bahia. “Foi justamente Valentim quem levou mais a fundo o sentido de independência criativa ao fazer a opção por uma arte de caráter estrutural, mas calcada em seu contexto cultural”, escreveu Frederico Morais, destacando sua adesão à abstração geométrica “em total desacordo com a arte que se praticava a seu redor.”

Não foi fácil para Valentim fazer a ponte entre o contemporâneo e as exigências de sua ancestralidade. Ele confessou a Bené Fonteles que “fazia toda sua arte para não enlouquecer e que, se não se libertasse daquelas imagens poderosas com uma carga simbólica, intensa e mágica, poderia perder a sanidade”. Essa era sua missão: a de ser um artista sacerdote num país em que, cada vez mais, as religiões de origem africana são reprimidas pela intolerância. Foi principalmente no início dos anos 1970 que Valentim, segundo Fonteles, começou a “desconstruir e recombinar os símbolos/entidades das religiões afro-brasileiras, transcriando-os de forma singular”.

Valentim nunca foi concreto. Aprendeu as noções de espaço de Cézanne, mas a estrutura de suas telas não é concreta. Sua linguagem visual está ligada a valores míticos. “Nestes signos está a recordação de um grande espaço civilizado de antigas cidades, de impérios destuídos”, escrever Argan em Roma, em 1966, quando os dois se conheceram. É apenas um dos muitos motivos para se ler o livro. E ver a exposição homônima.

Exposição

Rubem Valentim – Sagrada Geometria. Pinakotheke Cultural. Rua Ministro Nelson Hungria, 200, Morumbi. 2ª/6ª, 10h/18h. Sáabdos, 10h/16h. Livro (Edições Pinakoptheke) à venda por R$ 120.

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