Pirilampo

03/02/2018 08:00

Hoje tem espetáculo? Tem sim senhor. Sim, é o velho circo sendo montado numa cidadezinha de interior, ou dum terreno de subúrbio longínquo. Foi no ano de 1942, em Olinda, Pernambuco, que eu entrei num circo pela primeira vez. Foi paixão à primeira vista. Trapezistas, malabaristas, engolidor de espadas, domador de leões e etc. Uma bandinha de música estridente e desafinada ligava um número ao outro. Estava extasiado quando, de repente, entrou Pirilampo, o palhaço. Para os olhos de uma criança, e eu estava com cinco para seis anos, era o palhaço o artista principal. 

Do sorriso às gargalhadas foi um pulo. As calças largas, os sapatos enormes, as bochechas brancas e o nariz vermelho chamavam a atenção pelo exagero. De tudo que eu já tinha visto no mundo de engraçado até então, nada se comparava à arte de fazer rir daquele artista. Com certa semelhança com a vida dos ciganos, o mundo do circo é um mundo à parte e, normalmente costuma ser passado de pai pra filho, geração a geração. O “Grande Circo Nerino” foi, por anos, o circo de maior tradição do norte e nordeste do país. Nunca chegou a vir para o sul. 

E nem sei se hoje ele ainda existe. Aliás, nem sei se ainda cabe circo no mundo moderno diante de tanta tecnologia e falta de terreno desocupado nas grandes cidades e mesmo nos vilarejos. Morrer de todo ainda não morreu e espero que não venha a morrer nunca, mas, fato é que o circo, através dos tempos, vem perdendo seu espaço. Lembro-me que aquele circo que tanto me encantou apresentava seu espetáculo em duas distintas partes. Na primeira, mágicos, trapezista, malabaristas, palhaços, etc. Na segunda parte, um pequeno drama, ou comédia como se fosse teatro. 

E foi justamente essa segunda parte a que mais me empolgou. Foi um drama. A história de um rei que perdeu a coroa em virtude de ter sido assassinado ao ingerir uma taça de vinho envenenado. Ao sair do circo, ao lado de minha saudosa tia Helbinha, já estava decidido: seria artista de teatro. Já no dia seguinte, pela manhã, na praia de Olinda, reuni a garotada em torno de mim, depois do nosso jogo de futebol. –Vamos fazer um teatro, proclamei Foi meu primeiro e único plágio até aqui. Distribui os papéis e foram dias e dias de ensaio depois do banho de mar. Como eu ainda não escrevia bem, fui falando o que cada um deveria falar até que todos decorassem os papéis de rei rainha, princesa e demais componentes da corte.

Quando percebi que todos já tinham decorado seus papéis, fui pedir ajuda a minha querida tia Helbinha. – Minha peça de teatro está pronta, só preciso das vestimentas para realizar o espetáculo. Depois que contei como seria a peça, minha tia pediu-me que levasse meus amiguinhos até ela, para que pudesse tomar as medidas de cada um. Resumindo: muito papel crepom colorido, cartolina e purpurina e tudo mais ela comprou no armarinho da esquina. Bem, em menos de uma semana estava pronto e provado o guarda-roupa da peça. Em folhas de papel comum foram improvisados os ingressos e vendidos a duzentos réis cada um, dinheiro da época. A sala principal da casa, num piso mais alto, seria o palco.

 E, em frente numa grande varanda, a platéia. Imaginem que cada criança (elenco da peça) conseguiu vender ingresso para pai, mãe, tios, tias, avós, primos e até vizinhos. Faltou espaço para tanta gente na varanda numa noite de um dia de semana. Meu tio Hélio, marido de tia Helbinha, trabalhava num escritório da Esso no centro de Recife e estava inocente. Nada sabia da peça. Ao chegar naquela noite do trabalho e encontrar a casa abarrotada de gente, por pouco não enfartou. 

Bem, a peça que a princípio seria um drama, em face dos inúmeros erros e improvisos virou uma ótima comédia do tipo pastelão. Mas o fato é que naquela noite nascia em Olinda, Pernambuco um autor e ator de teatro. E com a renda daquele espetáculo, distribuída em partes iguais com o elenco, foi suficiente para a compra de muitos sorvetes e bombons.. Bem, Angelo, e Pirilampo? Pirilampo fica para a próxima vez, já que seu desfecho o faz parte de uma outra história.

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