Plataformas ganham espaço oferecendo leituras online

09/07/2023 08:00
Por Ana Luiza Antunes e Julia Queiroz / Estadão

Por volta das 14h de quase todos os dias, o criador de conteúdo Victor Almeida, de 30 anos, abre uma live na plataforma de vídeos Twitch para fazer os chamados “sprints de leitura”. Mais conhecido como Geek Freak, ou Geefe, ele permanece cerca de uma hora lendo em silêncio, ao vivo, com uma música leve ao fundo. Depois, passa 15 minutos interagindo com os espectadores por meio de um chat. Esse ciclo se repete três vezes em um dia “comum”.

“Sprint”, em inglês, significa algo como correr em alta velocidade uma distância curta. Quando falamos de um “sprint de leitura” ou “sprint de produtividade”, no entanto, estamos nos referindo a um tempo definido para manter o foco em apenas uma atividade.

Esse é objetivo das lives realizadas por Victor e por outros influenciadores literários em plataformas como o YouTube e, com ainda mais força, na Twitch: reservar sua atenção para a leitura de um livro e, ao mesmo tempo, trocar experiências com outros leitores. A atividade virou febre no auge da pandemia, cresceu com a consolidação da Twitch no Brasil e sobrevive até hoje, impulsionando criadores de conteúdo e leitores ávidos.

Tamirez Santos, do canal Resenhando Sonhos, já conta com mais de 20 mil seguidores. Assim como outros, a streamer – como são chamados os criadores de conteúdo que fazem lives – começou no YouTube, em que já tem quase 100 mil inscritos. Hoje, divide o seu conteúdo com a Twitch.

INTERAÇÃO. “Independentemente do contexto, o que aconteceu foi que conseguimos nos aproximar das pessoas que acompanhavam a gente de uma forma diferente”, ela avisa. “Talvez a pandemia tenha sido o pontapé inicial, mas o que veio depois se sustenta sozinho.” A história de Victor Almeida é parecida. O influenciador faz vídeos sobre literatura para o YouTube há mais de dez anos. Antes mesmo da pandemia, a ideia de ler em conjunto com os seguidores já começava a circular entre os produtores de conteúdo. “A gente começou fazendo essas lives no YouTube. Juntávamos amigos e abríamos lives quase todos os dias com cinco a dez pessoas. Era muito divertido.”

Com a chegada da pandemia, parte desses influenciadores começou a criar as próprias lives. Foi nesse momento que Victor começou a “migrar” para a Twitch. Segundo ele, a plataforma “é mais focada em lives” e oferece melhor interação com o público.

No começo, ele sentia dificuldade de se concentrar na leitura sabendo que havia pessoas assistindo. “Eu ficava mais focado no chat, pensando no que falavam. Mas isso é algo para o que, junto com o pessoal, conseguimos achar um meio-termo.”

MEIO-TERMO. Victor também lembra que as lives têm um público menor do que outras redes. “A gente tem muita dificuldade de atingir o público com conteúdos mais longos por causa do TikTok, Instagram e essa onda de conteúdos curtos. O YouTube ainda tem um meio-termo”, explica. Ele pondera que as transmissões ao vivo “afunilam” ainda mais o público, pois atraem pessoas que querem passar o dia “ao lado” de quem faz a live. [AO VIVO]

O benefício disso é criar uma proximidade maior com quem assiste. “É totalmente diferente de um conteúdo que a pessoa consome rapidinho”, diz. “É realmente uma troca muito mais próxima e mais legal. Cria um senso de comunidade ainda maior do que os conteúdos pré-prontos, porque a gente pode trocar essa ideia de falar sobre os livros e de comentar sobre assuntos do dia a dia também.”

Mariana Paixão, de 32 anos, é exemplo da ascensão dessa comunidade. Seguidora fiel de Tamirez desde quando ela começou no YouTube, Mariana agora é moderadora do seu canal.

“Somente o formato de sprints já ajuda, mas também ter companhia, fazer os sprints sabendo que quando terminar, a Tami vai perguntar: ‘Como foram de sprint?’, e todo mundo vai compartilhar algo”, conta. “É o melhor de dois mundos: ter um tempo para fazer uma tarefa no conforto da minha casa, mas fazê-la acompanhada de pessoas que também estão fazendo as próprias tarefas.”

CONEXÃO. Mariana, aliás, não é a única a sentir essa conexão com o influenciador. A proximidade que os sprints de leitura proporcionam é o que torna o fenômeno popular. “Esse sentimento de me sentir parte de um grupo que compartilha do mesmo desejo que eu de ler cada vez mais, conhecer novas histórias e entrar em novos mundo”, explica a professora de inglês Anna Beatriz, de 25 anos. “Quando surgiu o Booktube (apelido dado ao nicho de livros no YouTube), eu amei, tinha um grupo de pessoas que adoravam ler como eu e incentivavam as leituras”, comenta.

Para a jornalista Bruna Tavares, de 21 anos, por ser uma plataforma de interação, a Twitch garante conexão verdadeira. “Gosto desse contato de criadores de conteúdo que comentam, sempre de olho no público.”

A influenciadora Bel Rodrigues, de 29 anos, é um dos principais nomes da Twitch. Ela atingiu recentemente mais de oito mil assinantes na plataforma e entrou na lista dos 10 streamers brasileiros com mais inscritos pagos no canal. Na internet desde 2013, ela começou no YouTube com resenhas de livros e viralizou com as lives de leitura conjunta, no qual ficava por três horas, ao vivo, lendo com os seguidores. “Queria mostrar minhas reações diante de um livro em específico e aí veio a ideia de ler ao vivo”, conta Bel. Hoje, o canal já tem quase um milhão de inscritos.

Lívia Gonçalves, de 20 anos, conhecida na internet como Livresenhas, conta que os sprints a ajudaram com sua ansiedade. “Foi a melhor maneira de administrar minha ansiedade e me incentivar a ler, foi um ambiente de ajuda mútua.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Últimas