Plínio Fernandes, o violonista brasileiro que conquistou a liderança da Billboard
Lançado em julho no mercado internacional, Saudade, o primeiro álbum do violonista brasileiro Plínio Fernandes, de 28 anos, também está sendo lançado aqui pela Universal – e no momento em que a Billboard o coloca em primeiro lugar no ranking de música clássica. Parece pouco, mas é um feito gigantesco, pois ele deixou para trás dois álbuns do incensado John Williams, o mago responsável pelas trilhas sonoras dos blockbusters de Steven Spielberg, em parcerias ilustríssimas: em um rege a Filarmônica de Berlim; no outro, Yo-Yo Ma e a Filarmônica de Nova York.
As 14 faixas de Saudade constroem um caleidoscópio virtuoso e inclusivo da música brasileira, em torno de um sentimento que ele diz sintetizar seu estado de espírito atual, em entrevista ao Estadão: “Este álbum é essencialmente uma compilação de músicas que me tocam profundamente, e que representam a minha identidade como brasileiro e a saudade que sinto do País e da cultura. O disco não poderia ter outro título”.
Verdadeira autobiografia musical, as melodias escolhidas remetem às alegrias e muitas dificuldades que teve de superar desde a meninice em Itanhaém e ao mesmo tempo retratam a maravilhosa diversidade da música brasileira sem adjetivos. “Meu envolvimento com a música sempre foi muito forte desde a infância, e sempre me dediquei ao máximo para aproveitar as oportunidades.”
Não foi, no entanto, um esforço isolado. A musicalidade da família vem de longe. O pai que o menino Plínio ouvia dedilhar o violão o levou a tentar tocar, “mas só aos 7 anos consegui segurar o instrumento e arriscar algumas notas”. Com o detalhe inesperado de que o menino começou aprendendo música… clássica. “Meu pai escutava os prelúdios de Villa-Lobos tocados por Fábio Zanon, e eu do lado dele.” Menino, ouvia encantado Zanon, Henrique Pinto e o notável duo João Luiz/Douglas Lora, entre outras feras do instrumento.
Caminho para 1º álbum
Dez anos depois de ouvir maravilhado o pai dedilhar o violão, Plínio Fernandes já havia estudado em São Paulo com o músico Fábio Zanon e, aos 17 anos, obteve bolsa da Capes para estudar numa das mais afamadas escolas do planeta, a Royal Academy of Music de Londres. “Passei a estudar com Michael Lewin, que havia sido professor de Zanon.”
A pandemia proporcionou-lhe outro encontro iluminado: dividiu apartamento com os sete filhos, todos músicos, da família Kanneh-Mason, originária de Serra Leoa, país africano, que se tornou mundialmente conhecida quando um deles, Sheku, em 2018, tocou violoncelo na cerimônia de casamento do príncipe Harry com Meghan Markle. Três anos de isolamento em que ele fez muita música com os Kanneh-Mason pela internet, atingindo mais de 1 milhão de visualizações.
TURNING POINT. O número é até pequeno quando comparado a outro feito que ele conta orgulhoso: “O turning point para a Decca se interessar pelo meu trabalho foi o sucesso da gravação de Scarborough Fair no álbum de Sheku Kanneh-Mason, que viralizou nas plataformas de streaming, e agora tem cerca de 18 milhões de plays no Spotify”.
Outro fato improvável é que ele teve autonomia total em relação ao repertório. Deixou claro, desde o início das conversas com a Decca para decidir o repertório, que gostaria de gravar uma seleção de canções latino-americanas, principalmente brasileiras, com destaque para a cantilena das Bachianas Brasileiras n.º 5 com o violoncelo do amigo Shaneh e os cinco prelúdios de Villa-Lobos. “Quis mostrar a semelhança lírica entre esses dois mundos.” De uma lista de 35 canções, no final sua vontade prevaleceu até as 14 eleitas.
Nesse expressivo buquê do melhor da música brasileira se destaca a pungente interpretação de Maria Rita e o violão de Plínio para uma das mais belas melodias e letras criadas pelo gênio do compositor e poeta Cartola (1908-1980), O Mundo É um Moinho. Aquarela do Brasil, o carro-chefe de Ary Barroso, recebe refinado arranjo de Sérgio Assad. Nuestra Latinoamérica está muitíssimo bem representada com Recuerdos de Ypacarai e Gracias a la Vida, a canção chilena gravada por Violeta Parra e depois por Mercedes Sosa que embalou a juventude latino-americana nos anos 1960.
E, numa referência ao músico que melhor expressou a diversidade cultural brasileira, Heitor Villa-Lobos (1887-1959), seus prelúdios, obras-primas de referência no repertório violonístico do século 20, recebem uma interpretação impecável, fato raro em violonistas mais jovens.
A escuta flui a ponto de nossos ouvidos captarem suavemente que Villa é a fonte da qual floresceram talentos díspares e tão brasileiros como, por exemplo, Tom Jobim (1927-1994), presente com um trio de criações atemporais: seu carro-chefe Garota de Ipanema e Samba do Avião, sendo que a melhor performance fica com o arranjo que Sérgio Assad fez para Águas de Março, que abre com uma pitada de Se Todos Fossem Iguais a Você como introdução. João Luiz, ídolo de Plínio, constrói um arranjo tão lírico quanto é por natureza Ponta de Areia, de Milton Nascimento.
Os toques finais de refinamento do álbum Saudade são, de um lado, a participação do violinista Braimah, um dos sete músicos da família Kanneh-Mason, em Menino, composição de Sérgio Assad, que presenteou o violonista com um arranjo inédito de Assanhado, do bandolinista Jacob do Bandolim (1918-1969). “Sérgio é um dos meus ídolos na música, e foi um luxo tremendo tê-lo envolvido de forma tão importante no álbum.” De outro, Beatriz, a obra-prima assinada por Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda.
TRÂNSITO INTERNACIONAL. Este álbum o estabelece como artista com excelente trânsito internacional. Plínio comemora a vitória pessoal em tão curto espaço de tempo – uma década apenas -, mas também tem consciência do caráter excepcional de sua trajetória: “Pelo fato de eu ser um jovem violonista clássico negro, vindo de uma família de classe média baixa, sei que só foi possível furar essa bolha com muito apoio de pessoas e circunstâncias”.
Suas maiores referências, artísticas e de vida, são João Luiz Rezende e Franciel Monteiro. “São dois violonistas negros de destaque. Faz toda a diferença ver alguém que se parece com você, fazendo aquilo que você ama no mais alto nível”, observa Plínio Fernandes.
Segundo ele, representatividade é algo crucial para a autoafirmação de qualquer pessoa, especialmente de origem negra no Brasil. “Eu espero intensamente também servir de referência e inspirar crianças negras a estudarem música”, continua. “E torço intensamente – em meio ao caos atual – para que a cultura volte a ser prioridade no nosso país, e que existam muito mais projetos de educação musical nas comunidades.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.