Precisa-se de leitores

24/nov 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Se “um país se faz com homens e livros”, conforme afirmara Monteiro Lobato, vivemos, portanto, em um período crítico, uma vez que, segundo a pesquisa divulgada na terça-feira passada (19/11), pelo Instituto Pró-Livro (IPL), na 6ª Edição de Retratos da Leitura no Brasil, no período de 30/04  a 31/07 de 2024, tendo como amostra, 5.504 entrevistas efetuadas em 208 municípios, pertencentes a 21 estados e o Distrito Federal, constatou-se que 53% das pessoas entrevistadas não leram nem parte de um livro, nem no formato digital, nem impresso. Os dados dessa pesquisa são preocupantes em função da importância da leitura para a formação do senso crítico. E aqui vale citar o que escreveu Mario Quintana em “Caderno H”, com o título “Cartaz para uma feira de livros”: “Os verdadeiros analfabetos são os que aprenderam a ler e não leem.”

Ezra Pound, em “ABC da Literatura”, afirmou: “Um povo que cresce habituado à má literatura é um povo que está em vias de perder o pulso de seu país e o de si próprio.” E, nesse mencionado livro, ele fala: “Se a literatura de uma nação entra em declínio a nação se atrofia e decai.”

As consequências da falta de leitura são visíveis nas mais diversas camadas sociais. Não se trata apenas de uma questão relacionada a grau de escolaridade, aponta também para o exercício da cidadania, que exige posicionamento crítico para evitar as manipulações, uma vez que a leitura é indispensável na ampliação do discernimento.

Ezra Pound, na citada obra, reitera a sua argumentação, quando afirma que “os homens não alcançam compreender os livros enquanto não chegam a ter a certa dose de experiência de vida. Ou, de qualquer modo, homem algum consegue compreender um livro profundo enquanto não tenha visto e vivido pelo menos parte de seu conteúdo. O preconceito contra os livros surgiu da observação da obtusidade de homens que se limitam a meramente ler.”

A seriedade da pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro se constata também pelo método de coleta dos dados, pois as entrevistas foram domiciliares, face a face, por meio de tablets com um questionário de 147 questões, que favoreceu a obtenção de opiniões das diversas faixas etárias. Isso possibilitou ouvir o público infantil.

O prazer da leitura ficou mais evidenciado entre as crianças de 5 a 10 anos de idade. Entre os adolescentes, na faixa etária de 14 a 17 anos, a diminuição dos índices do gosto pela leitura é bem acentuada. O mesmo se constata entre os adultos acima de 30 anos. Segundo a pesquisa, esse gosto pela leitura identificado nas crianças foi estimulado mais pelas mães ou por responsáveis do sexo feminino, ou por algum professor ou professora. A falta de tempo foi apontada como principal razão para a não leitura de livros. O “não ter paciência para ler” também está entre as justificativas.

Constatou-se, mais uma vez, que a Bíblia é o livro mais lido. O “Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, encontra-se entre os mais citados. Entre os autores brasileiros mais conhecidos, em primeiro lugar, está Machado de Assis. Foram mencionados: Monteiro Lobato, Maurício de Sousa, Clarice Lispector, Jorge Amado, Carlos Drummond de Andrade…

Com base nessa pesquisa, o “alerta vermelho” precisa ser emitido, porque se tem a estimativa de que mais de sete milhões de leitores foram perdidos nos últimos cinco anos. Essa perda deve-se ao uso da internet, nos tempos considerados livres, tanto pelo público leitor quanto pelos não leitores. O tempo que poderia ser dedicado à leitura tem sido usado para outros entretenimentos, que se caracterizam pelo ócio infrutífero. 

No poema “O Livro e a América”, Castro Alves já dissera: “Desta sede de saber, / Como as aves do deserto –/ As almas buscam beber…/ Oh! Bendito o que semeia/ Livros… livros à mão cheia…/ E manda o povo pensar! / O livro caindo na alma/ É germe – que faz a palma, / É chuva – que faz o mar.”

É verdade que os livros não mudam o mundo. As pessoas é que são capazes de mudá-lo. Os livros só mudam as pessoas. A leitura faz parte desse processo de mudança. Contudo é preciso quebrar essa resistência, acabar com esse medo de olhar-se por dentro.

O livro é uma porta para o autoconhecimento. Os reflexos dessa falta de leitura estão expostos nos noticiários, nas redes sociais. Há os que navegam somente na superfície, pelo fútil, pelo supérfluo, pelo óbvio, sem se aprofundar, por isso, vão na “onda” da ostentação, iludidos pelo verniz da aparência que nutre a vaidade. A ganância, a arrogância distanciam da essência humana. Mas, apesar de tudo, há uma esperança: as mulheres estão lendo mais do que os homens. A ternura vencerá.

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