Premiação celebra os 50 anos da voz que se tornou a cara do samba

26/10/2022 08:30
Por Danilo Casaletti, especial para o Estadão / Estadão

Em 1978, a partir de uma provocação de Maria Bethânia, o poeta Wally Salomão escreveu o poema A Voz de uma Pessoa Vitoriosa, que ganhou melodia de Caetano Veloso. A voz em questão era de Alcione que, segundo os versos de Salomão, era “sol de alto monte, estrela luminosa”. Comemorando 50 anos de carreira – contados a partir do lançamento de um compacto em 1972 -, Alcione é anunciada como homenageada da 30.º Prêmio da Música Brasileira (PMB), com edição prevista para ocorrer em abril de 2023.

“Meu sentimento é de agradecimento a Deus. Tem coisas que aconteceram na minha vida que só pode ser esse Senhor. Isso é coisa Dele!”, diz a cantora à reportagem do Estadão. Alcione demonstra sua religiosidade também para agradecer pela recuperação de uma cirurgia na coluna que a deixou por três meses longe do palco. Alcione, 74 anos, precisou colocar quatro parafusos na região da lombar.

A escolha para a homenagem no PMB, que nasceu em 1987 como prêmio Sharp, foi feita por colegas de profissão que integram o conselho da honraria que, a cada ano, premia lançamentos da música nacional. Nele estão Gilberto Gil, Ney Matogrosso, João Bosco, Djavan, Arnaldo Antunes, Emicida, entre outros. Alcione entrará para uma galeria que já inclui nomes como Ari Barroso, Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Elis Regina, Jackson do Pandeiro, Dorival Caymmi, Rita Lee, entre outros. Mais um triunfo da voz de uma sambista popular.

Voz plural

“Além de grande intérprete, Alcione é unanimidade em ser amada por seus colegas e respeitada por toda a classe. Seu mundo musical é plural, passeia desde o bolero até o funk”, diz o empresário José Maurício Machline, criador do prêmio, que volta após um hiato de três anos por causa da pandemia.

Machline, que hoje conta com parceria de Heloisa Guarita na condução do PMB, diz que Alcione é a segunda artista com maior número de premiações e a que mais participou das homenagens a outros artistas, como a que, na primeira edição, celebrou Vinicius de Moraes.

O cantor e compositor João Bosco chama Alcione de “grande intérprete popular”. “Já tive o privilégio de cantar com ela algumas vezes. Foi uma honra para mim. Agora terei mais esse prazer, de estar sentado no teatro aplaudindo essa merecida homenagem”, diz.

Alcione tem sua carreira contada em Marrom, a Musical, de Miguel Falabella, que fica em cartaz até 7 de novembro, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. Com 23 atores em cena, o espetáculo parte do bumba meu boi do Maranhão, terra de Alcione, para traçar a trajetória de sucesso da cantora.

“Já bati uma perna por esse Brasil e por esse mundo, hein?”, diz Alcione, ao falar de suas cinco décadas na estrada. Filha de um pai mestre da banda da Polícia Militar do Maranhão e professor de música, João Carlos Nazareth, Alcione subiu ao palco pela primeira vez ainda adolescente. Foi um clube em São Luiz, onde nasceu, acompanhada pela orquestra do pai. Cantou uma música de Angela Maria. “Era um baile, todo mundo dançando. Quando cantei, todos pararam para me ouvir. Virou um show. Nunca mais cantei para as pessoas dançarem.”

De um primeiro momento ligada ao jazz e ao blues que conheceu por meio das grandes vozes de Ella Fitzgerald e Mahalia Jackson – os arquivos da gravadora Eldorado guardam o que seria seu primeiro disco, nunca lançado, com músicas como Yesterday e The Shadow of Your Smile -, Alcione caiu no samba por sugestão do compositor Roberto Menescal, então diretor da Philips.

Ganhou apoio de Jair Rodrigues, sambista já estabelecido, e lançou seu primeiro disco em 1975, com o sugestivo título de A Voz do Samba. De cara, emplacou dois sucessos: Não Deixe o Samba Morrer e O Surdo. Passou a disputar a preferência do público com as já afamadas Clara Nunes e Beth Carvalho.

Amizade

Alcione diz que nunca houve concorrência entre elas. Nem entre ela e outras cantoras que eventualmente também gravaram samba – Elis Regina, Gal Costa e Maria Bethânia – e que, inevitavelmente, disputavam repertório e compositores. “Nunca lidei com isso. Sempre achei muito bonito participar da glória dessas cantoras. Tenho a honra de ter conhecido a Clara. Cheguei a conhecer a Elis nos estúdios da gravadora. Era uma pessoa muito distinta”, diz.

Sobre os próximos passos da carreira, a “voz vitoriosa” prefere responder cantando, por telefone, à reportagem do Estadão. “Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz” (trecho da música ‘O Que É? O Que É?’, de Gonzaguinha).

A respeito da música que Wally Salomão fez em sua consagração, Alcione, que nunca a gravou, promete fazê-lo um dia. “Depois que Bethânia gravou fica difícil, né, colega?”, diz, enaltecendo uma das grandes amigas que fez no meio artístico.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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