Prestar contas a Deus
Homilia do Mons. José Maria – XXXIII Domingo do Tempo Comum – Ano A
A Palavra de Deus deste domingo (Mt 25,14-30) Jesus conta a parábola dos talentos: um homem que, partindo de viagem para o estrangeiro, chamou os seus próprios servos e entregou-lhes os seus bens. A um deu cinco talentos, a outro dois, a outro um. A cada um, de acordo com a sua capacidade. Depois de muito tempo ele voltou e pôs-se a ajustar as contas com eles. Elogiou e recompensou os que fizeram render os talentos a eles confiados e repreendeu e castigou o que não fez render o único talento recebido. O homem da parábola representa o próprio Cristo, os servos são os discípulos e os talentos são os dons que Jesus lhes confia. Por isso, tais dons, além das qualidades naturais, representam as riquezas que o Senhor Jesus nos deixou em herança, para que as fecundemos: a sua Palavra, depositada no Santo Evangelho; o Batismo, que nos renova no Espírito Santo; a oração o “Pai-Nosso” que elevamos a Deus como filhos unidos no Filho; o seu perdão, que Ele ordenou de levar a todos; o sacramento do seu Corpo Imolado e do seu Sangue derramado (Eucaristia). Em síntese: o Reino de Deus, que é Ele mesmo, presente e vivo no meio de nós.
Com esta parábola Jesus nos ensina que a vida na terra é um tempo para administrarmos a herança do Senhor e assim ganharmos o Céu. O Texto é uma advertência acerca do caráter passageiro da existência terrena e convida-nos a vivê-la como uma peregrinação, mantendo o olhar dirigido para a meta, para aquele Deus que nos criou e, dado que nos fez para Si, é o nosso destino último e o sentido do nosso viver. Passagem obrigatória para alcançar tal realidade definitiva é a morte, seguida pelo juízo final. São Paulo recorda que “o dia do Senhor virá como um ladrão de noite” (1Ts 5, 2), isto é, sem aviso prévio. A consciência da vinda gloriosa do Senhor Jesus estimula-nos a viver numa atitude de vigilância, aguardando a sua manifestação na memória constante da sua primeira vinda.
O significado da parábola é claro. Nós somos os servos; os talentos são as condições com que Deus dotou cada um de nós (a inteligência, a capacidade de amar, de fazer os outros felizes, os bens temporais…); o tempo que dura a ausência do patrão é a vida; o regresso inesperado, a morte; a prestação de contas, o juízo; entrar no gozo de Senhor, o Céu. Não somos donos, mas administradores de uns bens dos quais teremos de prestar contas.
Hoje podemos examinar na presença de Deus se realmente temos mentalidade de administradores e não de donos absolutos, que podem dispor a seu bel-prazer do uso que fazemos do nosso corpo e dos sentidos, da alma e das suas potências. Servem realmente para dar glória a Deus? Pensemos se fazemos o bem com os talentos recebidos: com os bens materiais, com a nossa capacidade de trabalho, com as amizades… o Senhor deseja ver o seu patrimônio bem administrado. O que Ele espera é proporcional àquilo que recebemos.
“Muito bem servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria” (Lc 25,21). Vale a pena sermos fiéis aqui, enquanto aguardamos a chegada do Senhor, aproveitando este curto espaço de tempo com sentido de responsabilidade. Que alegria quando nos apresentarmos diante d’Ele com as mãos cheias, dizendo: olha Senhor, fiz render os talentos que me destes. Não tive outro fim senão a tua glória!
Nesta parábola o Senhor ensina-nos especialmente a necessidade de corresponder à graça de maneira esforçada, exigente e constante durante toda a vida. Importa fazer render todos os dons que recebemos do Senhor. O importante não é o número, mas a generosidade para fazê-los frutificar.
Fiquemos atentos, pois a correspondência à graça se dá no dia a dia, na família, no trabalho profissional, no apostolado etc. Ensina São Josemaría Escrivá: “Há uma única vida, feita de carne e espírito, e essa é que tem de ser – na alma e no corpo – santa e cheia de Deus, deste Deus invisível, que nós encontramos nas coisas mais visíveis e materiais. Não há outro caminho, meus filhos: ou sabemos encontrar o Senhor na nossa vida corrente, ou nunca O encontraremos” (Temas Atuais do Cristianismo, n° 114).
Mas o que tinha recebido um talento foi, cavou na terra e escondeu o dinheiro do seu senhor. Quando este lhe pediu contas, tentou desculpar-se… A atitude errada é a do receio: o servo que tem medo do seu Senhor e teme o seu retorno, esconde a moeda debaixo da terra e ela não produz qualquer fruto. Isto acontece, por exemplo, com quem, tendo recebido o Batismo, a Comunhão e a Crisma, depois enterra tais dons debaixo de uma camada de preconceitos, sob uma falsa imagem de Deus que paralisa a fé e as obras, a ponto de atraiçoar as expectativas do Senhor. Mas a parábola põe em maior evidência os bons frutos produzidos pelos discípulos que, felizes pelo dom recebido, não o conservaram escondido, com receio e inveja, mas fizeram-no frutificar, compartilhando-o, comunicando-o. Sim, o que Cristo nos concedeu multiplica-se quando é doado! É um tesouro feito para ser despendido, investido, compartilhado com todos, como nos ensina aquele grande administrador dos talentos de Jesus, que é o Apóstolo Paulo.
Este último servo revela-nos como é que o homem se comporta quando não vive uma fidelidade ativa em relação a Deus. Prevalecem o medo, a auto estima, a afirmação do egoísmo que procura justificar a sua conduta com as injustas pretensões do seu senhor que deseja colher onde não semeou. “Servo mau e preguiçoso”, é como o Senhor o chama ao ouvir as suas desculpas. Esqueceu uma verdade essencial: que o homem foi criado para conhecer, amar e servir a Deus neste mundo e assim merecer a vida com o próprio Deus para sempre no Céu. Aquele servo que escondeu o talento sem o valorizar, fez mal as suas contas: comportou-se como se o seu dono não voltasse mais, como se não chegasse o dia em que lhe teria pedido contas da sua ação.
Quando se conhece a Deus, é fácil amá-Lo e servi-Lo. Quando se ama, servir não só não é custoso nem humilhante: é um prazer. “Servo preguiçoso”, diz o Senhor. A preguiça fruto da falta de amor leva a um desamor muito maior. Nesta parábola, o Senhor condena os que desenvolvem os dons que Ele lhes deu e os que os empregaram a serviço do seu comodismo pessoal, ao invés de servirem a Deus e aos seus irmãos, os homens, num serviço de amor.
A nossa vida é breve! Por isso temos que aproveitá-la até o último instante para crescer no amor e no serviço a Deus. Alerta-nos a Sagrada Escritura para a brevidade da vida. É comparada à fumaça (Sl 38,6), à sombra (Sl 143,4), à passagem das nuvens (Jó 4,2; 37,2), ao nada (Sl 38,6). Que pena se perdemos o tempo ou o empregamos mal, como se não tivesse valor! Quando o cristão mata o seu tempo na terra, coloca-se em perigo de matar o seu Céu.
Aproveitar o tempo é levar a cabo o que Deus quer que façamos em cada momento; é viver plenamente o momento presente, empenhando a cabeça e o coração naquilo que fazemos, ainda que humanamente pareça ter pouca importância, sem nos preocuparmos excessivamente com o passado nem nos inquietarmos muito com o futuro. Viver o momento presente, de olhos postos em Deus, torna-nos mais eficazes e livra-nos de muitas ansiedades inúteis, que nada mais fazem do que paralisar-nos.
Ao pedir que administremos os talentos o Senhor convida-nos à vigilância. Também, Jesus quer ensinar os discípulos a usar bem os seus dons: Deus chama qualquer homem à vida e entrega-lhes talentos, confiando-lhes ao mesmo tempo uma missão para cumprir. “Quem nos deu energias para trabalhar exigirá que nossas obras sejam proporcionais a essas forças” (São Basílio Magno).
No fim de nossa vida, o que desejamos ouvir? “Servo bom e fiel… vem participar da minha alegria…” ou “ servo mau e preguiçoso… servo inútil… joguem-no fora… na escuridão… onde haverá choro e ranger de dente?”. A escolha será nossa!
A mensagem central da parábola diz respeito ao espírito de responsabilidade com que acolher o Reino de Deus: responsabilidade em relação a Deus e à humanidade. Encarna perfeitamente esta atitude do coração a Virgem Maria que, recebendo o mais precioso dos dons, o próprio Jesus, ofereceu-O ao mundo com imenso amor. A Ela peçamos-lhe que nos ajude a ser “servos bons e fiéis”, para que possamos um dia participar “na alegria do nosso Senhor”.
Mons. José Maria Pereira