PRF paga ‘hora extra’ por trabalho a agentes de licença ou em férias
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) pagou adicional por trabalho, uma espécie de hora extra, a servidores em licença médica e em férias. O benefício tinha sido criado para os policiais que se voluntariam para missões emergenciais, mas foi desvirtuado e passou a ser pago para atividades corriqueiras e até para segurança de autoridades.
O “reforço salarial” já custou R$ 175,8 milhões aos cofres públicos nos últimos quatro anos. O crescimento da despesa se deu pela ausência de critérios no pagamento que deveriam ser estabelecidos pelo Ministério da Justiça. A pasta é comandada desde março de 2021 pelo delegado Anderson Torres.
Em 2019, foram R$ 35,4 milhões. Nos anos seguintes, R$ 45 milhões, R$ 58,7 milhões e R$ 36,5 milhões. Para 2023, a gestão Bolsonaro planejou outros R$ 38 milhões. Os números são do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento do Governo Federal (Siop).
Além do crescimento do gasto, há irregularidades no pagamento do benefício. Uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) apontou que cerca de R$ 3 milhões foram pagos a policiais em férias, licença médica ou na chamada carência da licença médica. No período, o servidor não pode aumentar a carga horária trabalhada ou abrir mão de descansos.
O pagamento é previsto em uma lei do fim de 2018 – criada para situações como a da greve dos caminhoneiros daquele ano – a policiais que queiram abrir mão de parte do repouso remunerado do turno de trabalho. Por exemplo: um agente escalado para 12 horas seguidas de trabalho com 36 horas de descanso pode abrir mão de 6 horas do repouso e ganhar R$ 420. Ou de 12 horas, e receber R$ 900. O salário médio na PRF é de R$ 12,9 mil.
A IFR (Indenização pela Flexibilização Voluntária do Repouso Remunerado) é delimitada para “eventuais ações relevantes, complexas ou emergenciais que exijam significativa mobilização da PRF”. O Ministério da Justiça, porém, não especificou critérios para pagamento da indenização, e a polícia definiu por ela mesma.
Em 2019 e 2021, portarias internas da PRF, editadas sem pareceres do ministério, alargaram a lista de situações em que a indenização pode ser liberada. Passaram a contemplar atividades não realizadas em campo, como de corregedoria, inteligência, comunicação institucional, segurança de autoridades, gestão de pessoas, logística e de tecnologia da informação. Como consequência, a verba pública usada para essa indenização passou a crescer ano após ano.
A análise da CGU também detectou que policiais que abriram mão do repouso remunerado voltaram às escalas regulares de trabalho sem cumprir o prazo mínimo obrigatório de intervalo. Outra descoberta foi a de concessão de diárias junto com o pagamento da IFR, o que também é ilegal.
Os casos detectados pela equipe de auditoria são apenas parciais porque levaram em conta amostragens e gastos entre setembro de 2019 e outubro de 2021. “Ao permitir o pagamento da IFR a servidores que não atuam em condições de ‘eventuais ações relevantes, complexas ou emergenciais que exijam significativa mobilização da PRF’, o gestor se desvia da finalidade da indenização e compromete a capacidade de mobilização ao qual o mesmo se propôs, podendo ser percebido mais como um incentivo salarial que retribua o desempenho do servidor em atividades rotineiras à instituição”, diz trecho da auditoria.
A PRF é uma das instituições que pressionaram Bolsonaro por aumento de salário. Em junho, representantes dos policiais entregaram um documento com reivindicações salariais ao ministro Anderson Torres. Na reta final deste mandato de Bolsonaro, entidades de classe subiram o tom contra o governo com críticas à falta de recomposição nos ganhos.
O Ministério da Justiça e a PRF reconheceram parte das inadequações apontadas na auditoria. Embora tenha alegado que problemas de sistemas expliquem parte dos pagamentos a servidores em férias ou de licença, a polícia se comprometeu a melhorar os controles internos e a esclarecer critérios.”Havemos de concordar que há necessidade de um aclaramento dessa questão, o que a PRF promoverá na próxima normativa que elaborar e em conjunto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, disse, em uma das manifestações à CGU.
No dia 4 deste mês, o ministro Anderson Torres publicou uma portaria regulamentando o pagamento da IFR. O texto mantém a possibilidade de pagamento de IFR para atividades de corregedoria, inteligência, logística e comunicação institucional. Mas vai exigir que fiquem demonstrados os fatos que justificam a complexidade, relevância ou emergência da situação que acarretará nos pagamentos.
A PRF precisará estabelecer previamente um número de servidores necessários para as operações com pagamento de IFR. A nova portaria cita ainda tratamento impessoal a policiais que se voluntariarem às atividades por meio de “mecanismos” que garantam rodízio de servidores.
Em nota, a PRF informou que, embora o bônus tenha sido criado para uma crise específica, ele mostrou-se ao longo tempo um “importante instrumento para a segurança pública nacional”. Disse ainda que o “o modelo usualmente utilizado de emprego do efetivo encontrava-se em vias de esgotamento, sendo urgente a adoção de medidas específicas e extraordinárias” para combater a “crescente violência” nas rodovias federais. Sobre as falhas apontadas na auditoria da CGU, a PRF diz que serviram para “aprimorar seus processos de seleção, convocação e pleno emprego do efetivo policial disponível”.