Principal opositor de Erdogan na Turquia acusa Rússia de interferir nas eleições

12/05/2023 15:19
Por Redação / Estadão

Kemal Kilicdaroglu, principal adversário de Recep Tayyip Erdogan nas eleições deste domingo, 14, na Turquia acusou a Rússia de interferir na corrida eleitoral. O candidato lidera as pesquisas de intenção de votos e tem ganhado cada vez mais vantagem conforme outros opositores do presidente desistem do pleito. Ele afirma ter provas de que Moscou tem divulgado materiais falsos online, o que a Rússia nega.

Kilicdaroglu publicou uma mensagem em turco e russo no Twitter, acusando a Rússia de publicar “deep fakes” – técnica que utiliza Inteligência Artificial para combinar áudios e vídeos. “Caros amigos russos, vocês estão por trás das montagens, conspirações, conteúdo deep fake e fitas que foram expostas neste país ontem. Se vocês desejam que nossa amizade continue depois de 15 de maio, tirem as mãos do Estado turco. Continuamos a favor da cooperação e da amizade”, escreveu na quinta-feira, 11.

Em entrevista à agência Reuters nesta sexta-feira, 12, ele reforçou que seu partido tem evidências concretas da responsabilidade de Moscou nas ações, mas não entrou em detalhes sobre qual seria o conteúdo das mensagens falsas apontadas. “Achamos inaceitável que outro país interfira no processo eleitoral da Turquia em favor de um partido político. Eu queria que o mundo inteiro soubesse disso, por isso fiz este apelo abertamente por um tuíte”, disse Kilicdaroglu. Ele acrescentou que seu partido não entrou em contato com a embaixada russa para tratar do assunto.

Moscou negou nesta sexta-feira, 12, que haja interferência nas eleições turcas e disse que as acusações são forjadas. “Declaramos oficialmente que não há qualquer questão de interferência. Se alguém forneceu tal informação ao senhor Kilicdaroglu, é um mentiroso”, disse Dmitri Peskov, porta-voz do Kremlin.

Apesar do tom forte no tuíte direcionado aos russos, na entrevista à Reuters Kilicdaroglu disse que manterá as boas relações com Moscou caso vire presidente. A Turquia é um membro da Otan e tem liderado alguns esforços de mediação do conflito na Ucrânia, incluindo a exportação de grãos. O país, porém, depende fortemente das importações de energia e a Rússia é seu maior fornecedor.

Lisura das eleições

As acusações do opositor ocorrem em um cenário em que Erdogan, que é um aliado de Vladimir Putin, vai enfrentar neste domingo as eleições mais acirradas desde que assumiu o poder há 20 anos. O presidente de 69 anos está determinado a continuar por mais cinco anos na presidência da Turquia, país de 85 milhões de habitantes que ele transformou profundamente e que passa por uma grave crise econômica.

A preocupação com o lisura do processo eleitoral, no entanto, não é exclusiva do opositor. O Conselho da Europa também manifestou preocupação com as eleições e o “estado da democracia” na Turquia. O órgão enviará 350 observadores ao país, além dos designados pelos partidos, aos locais de votação.

Oguz Kaan Salici, vice-presidente do CHP – partido social-democrata, fundado pelo pai da Turquia moderna, Mustafa Kemal Ataturkse – se mostrou otimista. Kilicdaroglu, no entanto, pediu aos seus partidários que “permaneçam em suas casas” em caso de vitória, por medo de confrontos.

Ao mesmo tempo, Erdogan ocupa o espaço: segundo o Conselho Superior de Rádio e Televisão (RTuk), entre 1º de abril e 1º de maio o canal de televisão estatal TRT deu 32 horas de cobertura ao vivo aos discursos presidenciais e apenas 32 minutos a Kilicdaroglu.

A Freedom House, que avalia as democracias mundiais, dá à Turquia uma pontuação de 2 em 4 pela imparcialidade de suas eleições, citando críticas às eleições gerais de 2018 pela Organização para Segurança e Cooperação na Europa, que acusou o partido AKP de usar indevidamente recursos estatais para obter vantagem eleitoral e Erdogan de ter retratado falsamente oponentes políticos como apoiadores do terrorismo.

Opositores desistem

Erdogan vai enfrentar dois rivais, mas apenas um de peso: Kemal Kilicdaroglu, 74 anos, candidato de uma aliança de seis partidos de oposição, que vão da direita nacionalista à esquerda democrática, um movimento liderado pelo CHP de Ataturk. Ele também recebeu o apoio sem precedentes do partido pró-curdo HDP, a terceira maior força política do país.

Em caso de vitória, o opositor será o 13º presidente da história da República da Turquia – que completa 100 anos em 2023 -, sucedendo o longo mandato de Erdogan, o mais longevo desde a queda do Império Otomano.

Um quarto candidato, Muharrem Ince, que de acordo com as pesquisas tinha entre 2% e 4% das intenções de voto, desistiu da eleição na quinta-feira, o que em tese favorece Kilicdaroglu. Vários membros importantes de seu partido também renunciaram nos últimos dias, preocupados que pudessem atrapalhar Kilicdaroglu de derrotar Erdogan.

As pesquisas projetam uma eleição muito disputada. Os dois lados estão convencidos que conquistarão a vitória no primeiro turno. Se isto não acontecer, o segundo turno está programado para 28 de maio.

Kilicdaroglu abordou rapidamente o que poderia representar um obstáculo para sua campanha em uma Turquia predominantemente sunita: o fato de pertencer ao alevismo. Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, o candidato reconheceu publicamente sua adesão a este ramo heterodoxo do islã.

Ele promete devolver à Turquia um “sistema parlamentar forte” com freios e contrapesos, desfazendo o sistema presidencial que o líder turco introduziu por referendo em 2017. A aliança também prometeu mais direitos e liberdades e um retorno a um sistema mais convencional de políticas econômicas.

Em um país afetado por uma grave crise econômica e de confiança, onde jovens formados em Engenharia e Medicina tentam deixar o país, o onipresente Erdogan luta para salvar seu legado e conta com o índice de 30% de eleitores fiéis.

O campo do “Reis” – como ele é chamado pelos partidários – aborda as promessas de campanha com números e injúrias: acusa os rivais de conluio com o que chamam de terroristas do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), ataca seus vínculos com o Ocidente e suas “conspirações”, além de apresentá-los como “pró-LGBT” que querem “destruir a família”.

Os desafios para Erdogan

Erdogan, que esteve no cargo nas últimas duas décadas como primeiro-ministro e presidente, tendo vencido facilmente cinco eleições, está buscando um terceiro mandato presidencial consecutivo.

Pouco mais de cinco milhões de jovens votarão pela primeira vez, um grupo que só conheceu a Turquia governada por Erdogan e viu sua guinada autocrática desde as grandes manifestações de 2013 e a tentativa frustrada de golpe de Estado de 2016, que terminou com dezenas de milhares de detenções.

“A primavera chegará graças a vocês”, afirmou Kilicdaroglu aos jovens em um comício. Uma pesquisa do instituto Metropoll aponta que ele tem o apoio da maioria dos eleitores na faixa entre 18 e 24 anos.

Outra dúvida para as eleições é o impacto do terremoto de 6 de fevereiro, que deixou mais de 50.000 mortos e um número desconhecido de desaparecidos no sul do país. Os sobreviventes, que denunciam que a ajuda chegou muito tarde, agora estão espalhados por todo o país ou vivem em barracas provisórias.

O presidente prometeu reconstruir a região devastada pelo terremoto dentro de um ano, enfatizando o histórico de seu governo na construção de infraestrutura. (Com agências internacionais)

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