Professora da rede pública terá livro publicado na Europa
‘Há mais de 500 anos os portugueses cruzaram o mar para conquistar o Brasil e, agora, uma brasileira percorre o mesmo caminho para conquistar Portugal. A diferença é que, ao invés de armas, ela levou o conhecimento’. Foi esse o elogio recebido por Sandra Brito, professora da rede pública de ensino de Petrópolis, pela banca examinadora de sua tese de Mestrado na Universidade Aberta de Lisboa. Agora, a doutoranda em Linguística está prestes a obter mais uma conquista: ter sua pesquisa sobre as cartas de Machado de Assis publicada em forma de livro na Europa.
O interesse pela leitura e em lecionar sempre esteve presente, mas foi apenas em 2001 que a petropolitana teve o primeiro contato com a sala de aula. ‘Há 17 anos prestei meu primeiro concurso na área da educação. Na época eu era inspetora de disciplina e, como havia turmas sem professor, comecei a lecionar. Acabou dando tão certo que não saí mais e decidi cursar Letras: minha primeira graduação e mais acertada decisão’, afirma Sandra.
De origem humilde, a educadora de 42 anos conta que enfrentou dificuldades financeiras para dar continuidade aos estudos. ‘Não sei como consegui chegar até aqui. O que consegui foi com muita luta e dedicação. Meus pais nunca estudaram. Perdi meu pai muito cedo e minha mãe, como costureira, sempre buscou me dar o melhor que pôde e se orgulha em dizer que apesar de nunca ter tido aula com um professor, colocou duas no mundo: eu e minha irmã, Monique'.
Depois de graduada, a professora conseguiu investir em especializações como uma pós-graduação em Produção Textual pela UFRJ, mas o tão sonhado Mestrado permanecia um sonho distante até que, em 2014, foi informada sobre uma versão semipresencial do curso na Universidade Aberta de Lisboa. ‘Naquele ano tive uma gravidez de risco e, como havia perdido um filho em 2011, achei que seria melhor deixar o Mestrado de lado por um tempo, mas não foi bem assim… Fui a primeira classificada do concurso, o que me fez levar a ideia adiante’, explica ela.
Sandra se dedicou ao Mestrado de tal maneira que o concluiu em três anos ao invés de quatro. Em seu projeto de dissertação, analisou mil e duzentas cartas de Machado de Assis, escritor que muito admira, para que pudesse ter acesso à vida pessoal dele, estabelecendo uma ponte entre suas obras, sua identidade e o meio em que esteve inserido.
‘Busquei fazer algo que levasse o nome de nossa Literatura para além-mar. Fiz a defesa em novembro de 2016 para uma banca com professores de universidades europeias que não só gostaram do resultado e da história de Machado, como me convidaram a cursar meu Doutorado em instituições do Porto, de Coimbra e até Paris’, diz Sandra, ainda perplexa pelos recentes acontecimentos.
Depois disso, ela ainda foi chamada a apresentar sua pesquisa em cidades como Barcelona e Lisboa, recebendo, inclusive, uma proposta da Editora Chiado para publicá-la em formato de livro. A obra, que tem lançamento previsto para julho, será traduzida para o inglês, espanhol e francês; e terá como capa um desenho elaborado por Julia de Oliveira dos Santos, ex-aluna da professora.
'Quando recebi o convite fiquei muito feliz e também surpresa. Levei cerca de um mês para desenhar Machado. Desenho desde os seis anos, mas nunca fiz nenhum curso. Conhecer a luta da professora Sandra para chegar onde chegou, com certeza me motiva a não desistir dos meus sonhos; de viver da arte porque amo o que faço. Não posso deixar de agradecê-la por essa oportunidade', afirma Julia.
Sandra, que é professora de cerca de 300 alunos da rede estadual de ensino e atualmente doutoranda em Linguística pela Universidade Aberta de Lisboa, diz que não se vê como fonte de inspiração, mas como uma materialização de que é possível vencer mesmo diante das mais diversas dificuldades.
‘Sou professora de escola pública, meus pais nunca estudaram e, ainda assim, recebi uma carta do governo português dizendo que tenho mérito da Língua Portuguesa em Portugal com grau de excelência. Fico meio sem graça porque não quero ser espelho, mas penso que quando escolhi falar sobre Machado de Assis, pensei em tudo pelo que ele passou. Era um menino negro cujo pai era escravo e que ainda perdeu a mãe, mas que passou por cima de tudo isso para ser o presidente da Academia Brasileira de Letras. Se com todas aquelas dificuldades ele conseguiu, o que nos impede?’.