Projeto da Câmara sobre emendas pode ‘agravar corrupção’, afirmam entidades

05/nov 08:33
Por Victor Ohana e Daniel Weterman / Estadão

As organizações Transparência Brasil, Transparência Internacional Brasil e Associação Contas Abertas afirmaram que o projeto de lei apresentado na semana passada na Câmara dos Deputados, com regras sobre as emendas parlamentares, “pode agravar riscos de corrupção”. A manifestação se refere à proposta do deputado federal Rubens Pereira Júnior (PT-MA). O parlamentar apresentou o projeto na última quinta-feira, 31, e disse que o texto foi construído com diálogo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e em acordo com a Câmara, o Senado, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Casa Civil.

O projeto estava nesta segunda, 4, entre os 14 itens na pauta da sessão deliberativa extraordinária virtual da Câmara.

Em nota conjunta, as três organizações afirmam que o projeto “não atende às exigências estabelecidas pelo Supremo, especialmente no que se refere à transparência e à rastreabilidade das emendas, nem impõe as medidas necessárias para a redução dos graves riscos de corrupção no manejo das emendas parlamentares”. Segundo o comunicado divulgado ontem, “a falta de transparência na formulação das emendas parlamentares seguirá, no caso das emendas coletivas, pela ausência de um rol mínimo e padronizado de informações que devem constar nas atas das reuniões de bancada e de comissão que definem as emendas a serem apresentadas”.

De acordo com as entidades, “estas atas deveriam ser publicadas em formato estruturado, de modo a possibilitar o rastreio de todo o processo de execução nos sistemas do governo federal, como Transferegov e Portal da Transparência”.

A proposta assinada por Pereira Júnior limita o crescimento das emendas e permite o corte de recursos indicados por deputados e senadores para cumprir o arcabouço fiscal. O projeto da Câmara propõe um crescimento real de 2,5% por ano para as emendas parlamentares impositivas (individuais e de bancada), colocando o mesmo limite do arcabouço fiscal, e fixa um valor de R$ 11,5 bilhões para as emendas de comissão em 2025, com ajuste apenas pela inflação nos anos seguintes, conforme o Estadão antecipou. Em 2024, essas emendas somam R$ 15,5 bilhões – ou seja, seriam reduzidas. A fórmula foi concebida pela Casa Civil do governo Lula.

Despesas

De acordo com técnicos do Executivo, a proposta traz uma previsão de quanto as emendas vão crescer nos próximos anos. Por outro lado, a medida concede um aumento que outras despesas do governo não têm atualmente, além de incluir as emendas de comissão, herdeiras do orçamento secreto, de uma forma definitiva no Orçamento da União. Na prática, as emendas podem reduzir cada vez mais o espaço para custeio da máquina pública e manutenção de serviços essenciais.

Outra mudança é permitir ao governo cortar emendas para cumprir despesas obrigatórias, como aposentadorias e benefícios sociais, e o arcabouço fiscal. Hoje, o governo pode fazer esse congelamento, mas não é autorizado a anular os recursos indicados por deputados e senadores. A iniciativa faz parte de uma tentativa do governo de ter mais autonomia para mexer no Orçamento sem autorização do Congresso.

A proposta também proíbe a divisão das emendas de bancada para indicações individuais dos deputados e senadores, destina metade das emendas de comissão para a saúde e obriga os parlamentares a falarem onde vai ser aplicado o dinheiro da emenda Pix, coisa que hoje não acontece. Além disso, coloca o Tribunal de Contas da União (TCU) na fiscalização. No caso das emendas de comissão, impõe a divulgação das propostas dos líderes partidários, mas não há obrigação da divulgação do nome dos parlamentares beneficiados, abrindo caminho para manutenção de uma prática oculta que acontece atualmente.

‘Recorrente’

No caso das emendas Pix, as entidades afirmam que muitos dos problemas persistem. “A obrigação de informar o objeto, imposta pelo PLP (projeto de lei complementar), não impede que tal informação seja genérica. Um problema recorrente se mantém com a possibilidade de que as emendas Pix sejam desmembradas após a aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA), já na fase de execução, como ocorre hoje, dificultando conhecer com antecedência o destino da verba pública”, diz a manifestação.

As entidades observam que os deputados e os senadores “permanecem como meros indicadores de despesa, com pouca ou nenhuma responsabilidade”. Segundo a nota, não há iniciativas de fiscalização, pelas comissões, da execução das emendas em suas áreas, nem procedimentos de participação social na definição das emendas. Além disso, dizem que “não se exige prestação de contas dos entes beneficiados de emendas Pix”.

O comunicado das organizações defende ainda um “papel mais ativo” do governo federal, uma “lógica de avaliação técnica sobre a eficiência dos investimentos realizados por meio de emendas” e “mais objetividade no estabelecimento de critérios técnicos para proposição, aprovação e execução de emenda”.

Procurado, Pereira Júnior rebateu o posicionamento das organizações. “O texto está de acordo com as decisões do Supremo Tribunal Federal, garantindo transparência e rastreabilidade em vários pontos”, disse o deputado petista, também por meio de nota. “Emenda Pix com pré-projeto, prioridade para obra inacabada, emenda de bancada para obras estruturantes, emenda de comissão para obras estruturantes, votação prévia numa reunião pública, com ata publicada posteriormente, com limitação futura no valor das emendas, então tem muitos avanços. O texto surge na sinergia e vai acabar com o orçamento secreto, consolidando normas esparsas”, concluiu.

No Senado, há outro projeto tramitando, apresentado pelo relator do Orçamento de 2025, senador Angelo Coronel (PSD-BA). O texto incorporou a proposta do governo de crescimento das emendas impositivas, mas não traz restrição para as emendas de comissão. Além disso, há diferenças entre as propostas de transparência.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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