Quadrilha

23/07/2018 13:43

“João amava Teresa que amava Raimundo/ que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili/ que não amava ninguém./ João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,/ Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,/ Joaquim suicidou-se e/ Lili casou com J. Pinto Fernandes/ que não tinha entrado na história”.

Esse poema de Carlos Drummond sempre vinha à mente quando assistia a um jogo da copa de 2018, realizada na Rússia. Não perco a oportunidade de aprender, de tirar lições do que a realidade nos mostra. A vida é surpreendente. O destino não é movido pelas conveniências pessoais. A imprevisibilidade é importante, porque, além de exigir concentração, desestabiliza as prepotências. A vitória não se conquista apenas pelo favoritismo, é preciso lutar com afinco, sem fingimento.

As grandes derrotas geralmente ocorrem quando se subestima o adversário, ou quando os favoritos, com o ego inflado pela fama, tropeçam na vaidade. A vitória de Davi sobre Golias revela que é possível vencer quem se acha invencível.

É preciso estabelecer as diferenças entre esporte e jogo. Nem toda atividade esportiva é voltada para a competição. Mas, quando se trata da polarização entre ganhar e perder surge essa expectativa que move a paixão da torcida. Por isso, é difícil analisar os fatos sem passionalidade.

As seleções consideradas favoritas nessa copa não corresponderam às tradições que carregam. Gostei do desempenho da Bélgica, da Croácia, porque mostraram a importância da disciplina tática em um esporte coletivo. Uma seleção não pode ficar na dependência do desempenho de um jogador, por mais talentoso que ele possa ser.

No Brasil, o futebol tem uma grande mobilização, é envolvido por paixões que dificultam uma análise fria dos fatos. A relação entre torcedores e jogadores da atual seleção é um pouco distante, uma vez que muitos jogam no exterior. Em outras copas, a maioria atuava no Brasil, por isso havia uma identidade maior com o povo.

A vitória da França evidenciou a diversidade étnica de seus jogadores. Dos 23 atletas, 14 têm origem ou descendência africana. Dois não nasceram na terra de Napoleão: o goleiro Mandanda, na República Democrática do Congo e em Camarões, nasceu o zagueiro Umtiti. Trata-se de uma seleção multiétnica, com diversidades culturais sob a mesma bandeira. Kylian Mbappé, eleito a revelação da copa, tem nacionalidade francesa e camaronesa. Contudo, não é uma seleção formada por imigrantes, mas de atletas, filhos de pessoas que chegaram ao território francês de diversas formas. Isso se deve também ao fato da França ter participado da colonização de vários países africanos.

Outro ponto que deve ser destacado está relacionado à recepção que teve a seleção croata. Foram recebidos como heróis, em virtude do vice-campeonato, uma colocação que nunca tiveram. Às vezes, o segundo colocado nem sempre tem uma recepção tão calorosa.

A derrota do Brasil nessa copa não causou tanta decepção, ou seja, não se criou uma grande expectativa como em outros mundiais. Acho que o povo está olhando para o futebol com uma visão mais crítica. Já se percebe a exploração comercial que há por trás dessa paixão popular.

A herança da copa de 2014 no Brasil, não é nada agradável. Pior do que a derrota para a Alemanha de 7 a 1, é o legado de obras inacabadas e o rompo da corrupção que ficou nos cofres públicos. O país sofreu a ação de uma verdadeira quadrilha, diferente da citada por Drummond no poema acima.

Últimas