‘Qualquer tipo de gasto relacionado à pandemia é justificado’, diz Campos Neto

28/05/2021 07:59
Por Eduardo Gayer, Idiana Tomazelli, com colaboração de Mateus Fagundes / Estadão

Em meio às preocupações sobre a situação fiscal do Brasil, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, defendeu nesta quinta-feira (27) que “qualquer tipo de gasto” relacionado à pandemia de covid-19 é justificado. O dirigente garantiu, em entrevista à CNN Brasil, que houve uma melhora no cenário das contas públicas brasileiras. “Analistas já esperam dívida bruta mais próxima de 85% do PIB, e não 100%. Então, de fato, temos uma melhora fiscal”, afirmou.

Na avaliação do presidente do BC, essa suposta melhora da questão fiscal, também decorrente de arrecadação superior às previsões do mercado, foi um ponto que ajudou a estabilizar a cotação do dólar. “O apetite por risco de investidores voltou muito mais rápido a grupo de países com dívida menor”, afirmou Campos Neto, para quem a melhora da questão fiscal tem sido importante na diferenciação do grau de risco entre os países. “É importante ressaltar que melhora recente vem da receita, não dos gastos”, ponderou.

Apesar da postura otimista sobre a situação fiscal brasileira, Campos Neto manteve alertas sobre a necessidade de manter os gastos públicos controlados. “Aumentos permanentes de despesas serão punidos com maior percepção de risco”, destacou.

Vacinação

Roberto Campos Neto também disse que, sob o ritmo atual de vacinação, o Brasil conseguirá alcançar uma “reabertura razoável” da economia a partir do segundo semestre deste ano.

Segundo ele, a equipe do BC tem feito cálculos usando dados do Ministério da Saúde e assumindo que todas as vacinas que estavam disponíveis iriam ser aplicadas – cerca de 30 milhões sendo distribuídas em maio e 40 milhões anunciadas para junho.

“Então a gente faz um cálculo pela prioridade de idades e pela prioridade de grupos, e a gente entende que, com ritmo de vacinação atual, que já está implícito nas contas, a gente consegue ter uma reabertura razoável do País a partir do segundo semestre”, disse Campos Neto.

Segundo ele, tem ocorrido “um intervalo de tempo um pouco maior” entre o momento do envio da vacina a Estados e municípios e a aplicação da dose. “Isso tem criado uma pequena diferença que nós entendemos que vai se reverter agora, a partir de junho. Lembrando que o governo fez novos acordos de vacinação”, ressaltou o presidente do BC.

Campos Neto também voltou a ressaltar a importância da vacinação para a retomada da atividade. “Vacinação é a nossa melhor saída para a economia, para a reabertura, para o fiscal, para o crescimento e para o emprego”, disse.

Autonomia do BC

Campos Neto garantiu que fica à frente da autoridade monetária até o último dia de mandato a ele conferido, independentemente do resultado das eleições ao Palácio do Planalto em 2022. O dirigente tem mandato estabelecido até 31 de dezembro de 2024.

Campos Neto reiterou elogios à autonomia do BC, aprovada no Congresso. “É um grande ganho. É muito importante preservar isso. Obviamente fico até o último dia do mandato”, afirmou. “Esse ganho institucional (autonomia do BC), uma vez observado, vai fazer com que o prêmio de risco do País nos próximos anos se mantenha mais baixo, entendendo que sempre vai existir presidente do BC independente, que vai tomar decisões em ciclo diferente do ciclo político”, acrescentou.

Questionado sobre os grandes pacotes de estímulos fiscais e monetários promovidos pelo governo dos Estados Unidos e pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que têm impacto no processo inflacionário mundial, Campos Neto desconversou. “Não acho que o Banco Central do Brasil pode fazer análise ou crítica formal ao que está sendo feito por outro banco central”, afirmou.

O Fed, porém, já fez comentários sobre a atuação do BC brasileiro. Na ata da reunião de julho de 2020, a autoridade monetária americana destacou que o avanço de 5% da moeda americana em relação à brasileira na ocasião foi consequência da continuidade de cortes da Selic – antes, portanto, do início do ciclo de ajuste monetário -, além de reação ao aumento de número de pessoas infectadas pelo novo coronavírus e à turbulência política do País.

Emergentes e juros

Na entrevista, o presidente do Banco Central disse que os países emergentes são os primeiros a elevar suas taxas básicas de juros quando as metas de inflação são atingidas, sobretudo em um contexto de aumento no preço de commodities no mercado internacional – como o atual.

Campos Neto explicou que a alta das commodities afeta mais os países emergentes, que têm esses produtos com peso maior na cesta de formação dos preços, do que países desenvolvidos.

Como os emergentes não costumam ter metas para o núcleo da inflação – que exclui preços voláteis, como alimentos -, a alta nas commodities afeta a meta da inflação e, assim, leva à alta de juros.

“Por isso, o que eu tenho dito que esses grandes pacotes de estímulo terão efeitos diferentes em países avançados e emergentes”, avaliou Campos Neto, em referência aos amplos estímulos monetários e fiscais aplicados nos Estados Unidos, mas com efeitos inflacionários nas commodities e em todo o mundo.

Crescimento da economia

Roberto Campos Neto também afirmou que o ciclo de aumento de juros, iniciado em março, não vai frear o crescimento da economia brasileira. Ele destacou que a previsão de economistas para o avanço do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021, antes na casa dos 3%, agora já está ao redor de 4%.

“O Banco Central olha todas as variáveis”, disse Campos Neto. “Nossa avaliação é que aumento de juros não vai frear economia”, afirmou.

O presidente do BC destacou ainda que o processo de revisão das projeções de crescimento tem sido sustentado e que há um “aprendizado” das economias em relação à pandemia da covid-19. “Para mesmo nível de distanciamento social, impacto na economia tem sido menor”, disse. “O crescimento tem surpreendido para cima e o ajuste (nos juros) não vai frear isso”, acrescentou.

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