Queda de 9,7% do PIB no 2º trimestre é histórica e confirma recessão no Brasil

01/09/2020 10:17

As expectativas em relação ao desempenho da economia brasileira em 2020 até melhoraram, após a divulgação de dados mais recentes, de junho e julho, mas a pandemia de covid-19 levou a um tombo histórico no Produto Interno Bruto (PIB, o valor de tudo o que é produzido na economia) do segundo trimestre, assim como ocorreu em praticamente todos os países, confirmou nesta terça-feira, 1.º de setembro, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A retração de 9,7% em relação aos três primeiros meses do ano é a maior da atual série histórica do IBGE, iniciada em 1996, mas, segundo cálculos de pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), não há registro de um trimestre com desempenho pior desde 1980.

Foi também o segundo trimestre de retração – a queda do primeiro trimestre em relação ao quarto trimestre de 2019 foi revisada para 2,5%, ante o 1,5% inicialmente informado -, primeira vez que isso ocorre desde 2016. As duas retrações seguidas caracterizam uma “recessão técnica”, classificação comumente usada no mercado financeiro, embora o comitê independente da FGV dedicado a analisar os ciclos econômicos já tivesse marcado o início da recessão no primeiro trimestre.

A queda do PIB no segundo trimestre foi tão pior do que em outras crises porque “nunca antes se propôs uma política que fosse desligar a economia”, diz Eduardo Zilbermann, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, numa referência às regras de restrição ao contato entre as pessoas, como forma de estancar o avanço da covid-19. Em outras crises econômicas – causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, etc. -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos.

Assim, nas outras crises, as lojas vendem menos do que o normal, amargam receitas menores, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda caindo, o estoque começa a encalhar nas fábricas e reduzem a produção, mas seguem produzindo. Só que o “desligamento” provocado pela pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero.

Como explica Zilbermann, o PIB é uma medida de fluxo, de quanto se produz continuamente ao longo do tempo. Assim, mesmo que a parada para valer tenha ocorrido em abril, o fundo do poço da economia, a reabertura gradual a partir de maio e junho foi insuficiente para salvar o PIB do segundo trimestre, formado por essa produção contínua em cada um dos meses.

O quadro catastrófico só não foi pior por causa das medidas adotadas pelo governo para mitigar a crise, com destaque para o auxílio emergencial de R$ 600 ao mês pago aos mais pobres e aos trabalhadores informais. Desde junho, estudos têm apontado que os pagamentos de emergência chegaram a elevar a renda dos mais pobres, reduzindo, temporariamente, a pobreza. Ainda assim, esse impulso não impediu o tombo de 12,5% no consumo das famílias ante o primeiro trimestre.

O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, que, em maio, chegou a estimar uma retração de 17,3% no PIB do segundo trimestre, já havia revisado sua projeção, na semana passada, para uma queda de 9,7%. Além do impulso do auxílio emergencial no consumo, contribuíram para a melhora do quadro, na visão de Vale, a baixa adesão dos brasileiros à quarentena, que manteve alguns comércios funcionando, e o crescimento do agronegócio. O PIB da agropecuária teve o melhor desempenho entre os componentes da oferta, com alta de 0,4% ante o primeiro trimestre.

“Há commodities que não são agrícolas, mas também se beneficiaram do aumento da demanda chinesa e do câmbio, como minério de ferro e também petróleo, num grau menor. Se você junta esses segmentos todos, estamos falando de 35% a 40% do PIB com retorno positivo no primeiro semestre”, afirma Vale.

Ainda pelo lado da oferta, os serviços, que respondem por cerca de 70% do PIB, encolheram 9,7% em relação ao primeiro trimestre, e a indústria tombou 12,3%. Com as empresas adiando compra de maquinário e obras suspensas, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida dos investimentos no PIB) despencou 15,4% em relação aos três primeiros meses do ano.

Os rumos a crise

No cenário de Bráulio Borges, economista sênior da LCA Consultores, a dinâmica global da recessão poderá ditar os rumos da crise. O fato de todas as economias do mundo terem sido atingidas, de forma semelhante e mais ou menos ao mesmo tempo – apenas a China, onde a covid-19 surgiu, foi atingida um pouco antes -, é uma das características inéditas da crise. Para ele, a recuperação poderá acabar sendo ditada pela dinâmica internacional, que, por sua vez, é marcada pelas medidas de mitigação adotadas pelos principais países.

Por isso, na visão de Borges, o desempenho da economia no Brasil poderá ser melhor do que o dos vizinhos da América Latina, porque os brasileiros não respeitaram a quarentena e pela falta de coordenação na ação dos governos federal e locais – ao custo de mais mortes pela covid-19 – e por causa do tamanho das medidas emergenciais.

Nas contas do Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV, as políticas do governo federal somam 11,5% do PIB – 8,27% do PIB em ações com gastos fiscais e 3,21% do PIB em medidas de “crédito fiscal”, voltadas para empréstimos. O pacote está praticamente no mesmo nível do dos Estados Unidos, que soma 11,6% do PIB.

“O pacote de suporte fiscal no Brasil foi muito elevado. Até mais elevado do que se poderia imaginar, dada a situação fiscal”, afirma Borges.

Para Zilbermann, da PUC-Rio, a economia brasileira está numa “encruzilhada”. Por um lado, no momento mais imediato, as medidas emergenciais impulsionam a economia e podem ajudar na recuperação nos próximos meses. Por outro lado, os gastos públicos associados às medidas ameaçam o equilíbrio fiscal nos próximos anos. Desequilíbrios poderão elevar o risco país e a cotação do dólar e afastar investidores, o que tiraria ímpeto da recuperação da economia.

A saída, segundo o professor, seria o governo sinalizar claramente que a elevação de gastos é temporária, tem data para terminar, e que o equilíbrio das contas voltará no médio prazo.

 

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