Queda do chefe do cartel de Sinaloa provoca onda de violência no México

08/set 07:04
Por Luiz Henrique Gomes / Estadão

A prisão de Ismael “El Mayo” Zambada, líder mais antigo do cartel de Sinaloa, encerrou uma busca de 40 anos, provocou uma onda de violência e deixou várias perguntas sem respostas no México. Desde que agentes dos EUA detiveram Mayo, em uma operação cinematográfica, em julho, dez pessoas foram mortas em Sinaloa em conexão com o caso, incluindo o ex-prefeito de Culiacán Héctor Melesio Cuén.

Mayo era o último dos fundadores do cartel que estava em liberdade. O fato em si muda a dinâmica do crime organizado no México, mas as circunstâncias agravam as consequências. Ele foi preso ao lado de Joaquín Guzmán López, filho de Chapo Guzmán, sócio de Mayo, que o acusa de traição. Ambos embarcaram em um avião para o Texas e receberam ordem de prisão assim que pisaram nos EUA – para espanto do governo mexicano.

A operação é um mistério. Uma hipótese é que Mayo tenha negociado sua rendição com os americanos para tratar de um câncer. Outra é que o filho de Chapo teria sequestrado o chefão de Sinaloa – tese difundida pelo próprio Zambada em carta. Ambas abrem espaço para uma violenta corrida pela sucessão e reorganização do grupo. O avanço de rivais sobre os domínios do cartel e denúncias de corrupção política formam a receita de um tsunami de violência.

MORTES

O primeiro assassinato ocorreu no mesmo dia da prisão. Héctor Cuén, ex-prefeito de Culiacán, capital de Sinaloa, foi morto com quatro tiros. O Ministério Público garantiu que a morte havia ocorrido durante um assalto, mas Mayo demoliu a versão com uma carta que causou a renúncia da procuradora-geral do Estado, Sara Quiñonez.

Segundo o Zambada, Cuén foi morto no dia da operação americana. O ex-prefeito tinha um encontro marcado com ele e com o governador de Sinaloa, Rubén Moya, para resolver uma divergência política. Mayo foi preso. O ex-prefeito foi ao encontro e acabou assassinado. “Eles o mataram ao mesmo tempo e no mesmo lugar onde me sequestraram”, escreveu Mayo.

As versões mostraram que as autoridades mexicanas não tinham a menor ideia do que estava acontecendo. E a reunião entre dois políticos com o narco mais procurado do México levantou novamente o tapete para onde o Estado tenta varrer a sujeira do crime organizado.

PERFIL

Mayo era discreto e cultivou uma rede de aliados, de políticos a militares, empresários e outros traficantes. A captura destrincha a extensão de seus contatos. Ele carrega seis décadas de crimes nas costas. Sua influência explica por que os EUA bancaram a operação sem o conhecimento do México, o que irritou o presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO). “Certamente, queriam evitar um vazamento”, disse Raúl Benítez Manaut, professor da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam).

REAÇÃO

No dia 6 de agosto, AMLO declarou esperar que o capo revelasse seus elos com autoridades mexicanas e americanas. “Temos de saber quanto apoio lhe deram, quem o protegia. Tudo isso vai ajudar a esclarecer os fatos”, disse o presidente.

Quatro dias depois, Zambada publicou a carta que envolveu Moya, governador de Sinaloa, do mesmo partido de AMLO, o Movimento Regeneração Nacional (Morena). A acusação respingou em Obrador, que ficou na defensiva. “Não somos corruptos”, disse.

Uma semana depois, mais assassinatos. No dia 16, morreram os traficantes Juan Carlos, “El Vampi”, e Ivan Ivanhoe, “El Tocino”. No dia seguinte, os corpos dos irmãos Martín e Leobardo García Corrales foram descobertos com sinais de tortura. Ambos eram ligados a Mayo.

Na semana passada, Moya convocou uma entrevista coletiva, confirmou a relação das quatro mortes com a prisão de Zambada e acrescentou outras seis ocorridas no mesmo fim de semana em Sinaloa. A onda de violência revela uma fratura no cartel de Sinaloa, que começou em 2016, com a queda de Chapo (hoje em prisão perpétua nos EUA) e a ascensão de seus quatro filhos, conhecidos como “Chapitos”.

FRAGMENTAÇÃO

Segundo relatório da DEA, a agência antidrogas dos EUA, publicado em maio, a prisão de Chapo serviu de gatilho para um fenômeno comum no submundo do crime organizado: o vácuo deixado por um líder, morto ou preso, tende a ser ocupado por alguém. Essa disputa pelo espólio é sempre acompanhada de violência. Foi o que ocorreu quando os Chapitos quiseram assumir os negócios do pai e bateram de frente com Mayo.

Diferentemente de outros cartéis, Sinaloa tem uma organização horizontal e descentralizada, uma estrutura que se assemelha a uma federação, com diferentes facções cooperando entre si. Em teoria, diz a DEA, isso permite o compartilhamento de rotas, contratos, fornecedores e redes de lavagem de dinheiro.

O modelo enfraqueceu nos últimos anos e, com a prisão de Zambada, pode ter chegado ao fim. “O cartel está fraco”, disse Manaut. “Sinaloa deve se fragmentar e se transformar em grupos independentes e menores, como aconteceu com o cartel do Golfo no passado.”

A queda de Mayo é uma vitória dos americanos. A recompensa por ele era de US$ 15 milhões e as acusações eram extensas: narcotráfico, crime organizado, conspiração em assassinatos e lavagem de dinheiro. Nada disso, no entanto, representa uma ameaça existencial ao crime organizado no México, segundo analistas.

A guerra civil entre os narcos apenas favorece o crescimento de outras organizações. Sinaloa é um gigante do narcotráfico, com operações em 47 países, segundo a DEA. Sua maior ameaça é o cartel Jalisco Nova Geração, fundado em 2011, após uma dissidência de Sinaloa, que seu expandiu rapidamente para 40 países.

Os dois cartéis dominam as rotas de fentanil e cocaína para os EUA e disputam territórios em busca de novas áreas de influência. “Existe o risco de uma violência explosiva entre Sinaloa e cartéis rivais, principalmente o Jalisco Nova Geração, que vai tentar tirar vantagem da instabilidade”, afirmou Robert Muggah, cientista político e cofundador do Instituto Igarapé.

Um relatório do Congresso dos EUA, publicado em 2021, apontou os Estados de Sinaloa e Durango como centros do cartel de Mayo, que atua também em Sonora, Baja California e Chihuahua – todos na fronteira americana. Em 2023, três das cinco cidades mais violentas do México estavam no centro das disputas entre Sinaloa e grupos rivais.

CRESCIMENTO

Enquanto isso, o fluxo de drogas para o mercado americano segue aumentando. O fentanil matou mais de 112 mil pessoas nos EUA, em 2023, se transformando na maior causa de morte entre pessoas de até 50 anos. “É pouco provável que os surtos violentos afetem o fluxo de drogas, uma vez que muitas das estruturas básicas do cartel permanecerão intactas”, disse Muggah. “A principal razão para isto é que as estruturas e redes dos cartéis estão profundamente enraizadas.”

A iminência de mais violência após a prisão de Mayo levou AMLO a enviar 200 militares para o noroeste do país e pedir que os cartéis evitassem um derramamento de sangue. Os assassinatos dos últimos dias, no entanto, mostram que o México caminha em outra direção. “Apesar das guerras violentas, dentro e entre os cartéis, todos estão unidos no objetivo comum de enviar drogas para os EUA”, afirma Muggah.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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