Quem é João Cândido e por que o comandante da Marinha não quer que ele seja ‘herói da Pátria’

28/abr 07:03
Por Karina Ferreira / Estadão

Também conhecido nos livros de História como “Almirante Negro”, João Cândido Felisberto é o centro de um embate entre parlamentares da Câmara dos Deputados e a Marinha do Brasil. Cândido foi líder da Revolta da Chibata, em 1910, no Rio de Janeiro. Na ocasião, os marinheiros, sobretudo afro-brasileiros, se rebelaram contra os castigos físicos aos quais eram submetidos na Força Naval.

O nome dele volta a ser mencionado neste momento porque deputados discutem o seu reconhecimento como “herói da Pátria”, por meio de um projeto de lei que inclui Cândido no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, é contrário à homenagem, que diz enaltecer um “heroísmo infundado”. Em carta enviada à Comissão de Cultura da Casa, o comandante afirma que o reconhecimento afeta negativamente o “pleno estabelecimento e a manutenção do verdadeiro Estado democrático de Direito”.

Cândido se alistou na Marinha com 14 anos, em 1895, época em que recrutamento forçado era uma prática comum. Ele permaneceu na Força Naval por 15 anos, período em que foi castigado em pelo menos nove ocasiões, além de ter sido preso em celas solitárias “a pão e água” e rebaixado duas vezes de cabo a marinheiro, conforme consta na ficha dele.

O Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria é um documento que preserva a memória de pessoas importantes na formação da história do País. Também chamado Livro de Aço, o objeto fica no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília, e tem nomes como de Tiradentes, Chico Mendes e Machado de Assis. De autoria do então senador Lindbergh Farias (PT-RJ), o projeto foi aprovado no Senado, em 2021, e segue tramitando pelas comissões da Câmara com prioridade.

Para Olsen, incluir o nome de Cândido no documento seria o mesmo que “transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje, a mensagem de que é lícito recorrer às armas que lhe foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe”. Para a Marinha, a atuação de Cândido não foi patriótica, nem heroica, mas sim, o rompimento com a hierarquia e a disciplina da Força.

Em carta enviada ao presidente do colegiado que discute o projeto na Câmara, o deputado federal Aliel Machado (PV-PR), Olsen afirma que os revoltosos “utilizaram equipamentos militares para chantagear a Nação, disparando, a esmo, os canhões de grosso calibre dos apoderados encouraçados contra a então capital federal e uma população indefesa”. O texto ainda vai passar pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa.

A rebelião dos marinheiros ocorreu na baía da Guanabara, em novembro de 1910. Os rebeldes tomaram e apontaram os navios para o Rio, que também era a capital federal, na tentativa de obrigar o governo a atender às suas reivindicações – o fim do que chamavam de “escravidão” praticada pela Marinha -, caso contrário, destruiriam a cidade.

O governo aceitou e as punições físicas foram cessadas. No Congresso, o então senador Rui Barbosa apoiou os rebeldes e buscou uma solução diplomática para o conflito, que terminou com um projeto de lei para anistiar os revoltosos – quebrado dias depois com um decreto presidencial de Hermes da Fonseca.

Foi só em 2008, 39 anos após sua morte, que Cândido foi anistiado, assim como outros 600 marinheiros que participaram do movimento. Apesar da alcunha “almirante”, o líder da revolta nunca foi de fato promovido à patente e morreu pobre em 1969.

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