Quem é o meu próximo?
O Evangelho, em (Lc 10, 25-37), apresenta Jesus falando com um doutor da lei sobre o primeiro mandamento: o amor a Deus e o amor ao próximo. O doutor interroga o Mestre, não por desejo de aprender, mas “para O experimentar.” “Mas quem é o meu próximo?”
E o Senhor responde, invertendo a pergunta, mostrando através da narração do bom samaritano, que cada um de nós deve fazer-se próximo de cada pessoa que encontra. “Vai e também tu faz do mesmo modo!” (Lc 10, 37). Este é o meu próximo: um homem, um homem qualquer, alguém que necessita de mim. O Senhor não introduz nenhuma especificação de raça, amizade ou parentesco. O nosso próximo é qualquer pessoa que esteja perto de nós e necessite de ajuda. Nada se diz do seu país, nem da sua cultura, nem da sua condição social: um homem qualquer. Amar, diz Jesus, é comportar-se como o bom samaritano. Nós sabemos, de resto, que o Bom Samaritano, por excelência, é precisamente Ele: embora fosse Deus, não hesitou em humilhar-se a ponto de se fazer homem e dar a vida por nós. O amor é o “coração” da vida cristã; com efeito, somente o amor, suscitado em nós pelo Espírito Santo, nos torna testemunhas de Cristo. Sem dúvida, a nossa única ocupação aqui na terra é a de amar a Deus: ou seja, começar a praticar o que faremos durante toda a eternidade. Por que temos de amar a Deus? Porque a nossa felicidade consiste, e não pode consistir noutra coisa, no amor de Deus. De maneira que se não amamos a Deus, seremos constantemente infelizes; e se queremos desfrutar de alguma consolação e de alguma suavidade nas nossas penas, somente o conseguiremos recorrendo ao amor de Deus. Se quereis convencer-vos disso, ides buscar o homem mais feliz segundo o mundo; se não ama a Deus, vereis como na realidade não deixa de ser um grande desgraçado. E, pelo contrário, se vos encontrais com o homem mais infeliz aos olhos do mundo, vereis como, amando a Deus, é ditoso em todos os conceitos. Meu Deus! Abri-nos os olhos da alma, e assim buscaremos a nossa felicidade onde realmente podemos encontrá-la!
No caminho da nossa vida, encontraremos pessoas feridas, despojadas de tudo e meio mortas, da alma e do corpo. A preocupação por ajudar os outros, se estamos unidos ao Senhor, tirar-nos-á do nosso caminho rotineiro, de todo o egoísmo, e dilatará o nosso coração preservando-nos da mesquinhez. Encontraremos pessoas cobertas de dor pela falta de compreensão e de carinho, ou necessitadas dos meios materiais mais indispensáveis; feridas por terem sofrido humilhações que vão contra a dignidade humana; despojadas, talvez, dos direitos mais fundamentais: situações de misérias que bradam aos céus. O cristão nunca pode passar ao largo, como fizeram alguns personagens da parábola.
Nesta passagem do Evangelho, encontramos outro ensinamento fundamental: a Lei de Deus não é algo negativo, “não fazer”, mais algo claramente positivo, é amor; a santidade, a que todos os batizados estão chamados, não consiste tanto em não pecar, mas em amar, em fazer coisas positivas, em dar frutos de amor de Deus. Quando o Senhor nos descreve o Juízo Final, realça esse aspecto positivo da Lei de Deus (Mt 25, 31-46). O prêmio da vida eterna será concedido aos que fizeram o bem. Nesta parábola do bom samaritano, Santo Agostinho identifica o Senhor com o bom samaritano, e o homem assaltado pelos ladrões com Adão, origem e figura de toda a humanidade caída. Levado por essa compaixão e misericórdia, Jesus desce à terra para curar as chagas do homem, fazendo-as suas próprias (Is 53, 4; Mt 8, 17; 1Pd 2, 14; 1 Jo 3, 5).
Essa mesma compaixão e amor de Jesus Cristo, temos de sentir nós, os cristãos, que devemos ser discípulos seus, para não passar nunca do lado oposto perante as necessidades alheias. Uma concretização do amor ao próximo encontramos nas Obras de Misericórdia, que se chamam assim porque não são devidas por justiça. São quatorze: sete espirituais e sete corporais. As espirituais abarcam: ensinar a quem não sabe, dar bom conselho a quem dele tenha necessidade, corrigir a quem erra, perdoar as injúrias, consolar o triste, sofrer com paciência as adversidades e as fraquezas do próximo, e rogar a Deus pelos vivos e pelos mortos. As corporais são: visitar os doentes, dar de comer ao faminto, dar de beber ao que tem sede, redimir o cativo, vestir o nu, dar pousada ao peregrino, e enterrar os mortos.
O amor ao próximo é muito concreto. “Com razão se pode dizer que é o próprio Cristo quem, nos pobres, levanta a voz para despertar a caridade dos seus discípulos” (GS, 88).
O samaritano não tem uma compaixão puramente teórica, ineficaz. Antes de mais nada aproximou-se, que é o que devemos começar por fazer, perante a necessidade do próximo.
Esta narração evangélica oferece o “critério de medida”, ou seja, a universalidade do amor que se inclina para o necessitado encontrado por acaso (Lc 10, 31), seja ele quem for (Carta Encíclica Deus Caritas est, 25). Ao lado desta regra universal, há também uma exigência especificamente eclesial: que “na própria Igreja, enquanto família, nenhum membro sofra porque passa necessidade. O programa do cristão, aprendido do ensinamento de Jesus, é um coração que vê onde há necessidade de amor, e age em consequência” (Deus Caritas est, 31).
Nem sempre se tratará de atos heroicos, difíceis; frequentemente, serão coisas simples, muitas vezes pequenas, “pois essa caridade não deve ser procurada unicamente nos acontecimentos importantes, mas, sobretudo, na vida corrente” (GS, 38).
Jesus conclui o ensinamento com uma palavra cordial, dirigida ao doutor: “Vai e faze tu o mesmo”. Sê o próximo inteligente, ativo e compassivo com todo aquele que precisar de ti. Pois, como ensina São Tomás, “quando é amado o homem, é amado Deus já que o homem é imagem de Deus”. Quem ama de verdade Deus, ama também os seus iguais, porque verá neles os seus irmãos, filhos do mesmo Pai, redimidos pelo mesmo sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Temos este mandamento de Deus: que o que ame a Deus ame também o seu irmão” (1 Jo 4, 21). Há, porém, um perigo! Se amamos o homem pelo homem, sem referência a Deus, este amor converte-se em obstáculo que impede o cumprimento do primeiro preceito; e então deixa também de ser verdadeiro amor ao próximo. Mas o amor ao próximo por Deus é prova patente de que amamos a Deus: “se alguém diz: amo a Deus, mas despreza o seu irmão, é um mentiroso” (1 Jo 4, 20).
Existe a tentação de ignorar a imagem mais viva de Deus presente sobre a terra: o ser humano. A fé deve ser traduzida em gestos concretos de amor. Já ensinava Santa Teresa: a vida cristã não consiste em pensar muito, mas em amar muito. E São Tiago na sua carta: a fé sem obras é morta (Tg2, 17). São João lembra: como podes dizer que amas a Deus a quem não vês, se não amas ao próximo a quem vês? (1Jo 4, 20). E São Paulo: ainda que eu tivesse o conhecimento dos mistérios e da ciência, e fé a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria (1Cor 13,2).
Portanto, a parábola, deve induzir-nos a transformar a nossa mentalidade segundo a lógica de Cristo, que é a lógica da caridade: Deus é amor, e prestar-lhe culto significa servir os irmãos com amor sincero e generoso.