Quem pagará a conta da crise climática? Qual valor? COP entra na reta final

21/nov 11:31
Por Priscila Mengue, enviada especial / Estadão

A um dia do encerramento oficial, a Cúpula do Clima deste ano (COP29) segue indefinida em relação aos mesmos dois pontos que travaram a discussão até o momento: valor e pagadores do financiamento climático. Informalmente chamado de “COP das Finanças”, o evento da Organização das Nações Unidas (ONU) está previsto para terminar nesta sexta-feira, 22, mas a apresentação de um rascunho do acordo com pontos chave indefinidos aumentou a possibilidade de que seja estendida por mais dias. Nos bastidores, fala-se de extensão por mais um, dois ou até mais dias.

O novo texto estava previsto para a publicação na meia-noite desta quinta-feira, 21, mas foi veiculado no início da manhã do horário local, de Baku, capital do Azerbaijão, a sete horas de diferença do Brasil. Entre organizações que acompanham as negociações, há pessimismo de avanços significativos neste ano, aumentando a responsabilidade da próxima COP (em Belém), e ainda esperança de que os países terão algum consenso nas próximas horas.

Previsto no Acordo de Paris, o financiamento climático de países ricos para em desenvolvimento segue, contudo, indefinido: não há um valor anual a ser pago, por enquanto há apenas um “US$ []”, com margem tanto para a casa do trilhão quanto dos bilhões de dólares anuais. Organizações e nações em desenvolvimento defendem por volta de US$ 1,3 trilhão anual.

O texto foi apresentado pela presidência da COP29, de responsabilidade do Azerbaijão. Anunciado como “mediadores” das demandas de países ricos e em desenvolvimento, Brasil e Reino Unido devem apresentar um retorno mais específico à presidência sobre a recepção do texto, mas os demais países poderão se manifestar em plenárias e no andamento das negociações, que devem se intensificar nas próximas horas, especialmente a partir da tarde.

Por ser em um “petroestado”, considerado berço da indústria petroleira, e realizada logo após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a COP29 começou com expectativas moderadas.

Há, porém, aqueles que avaliam que esse cenário de polarização e a recente declaração do G-20 sobre a importância do financiamento climático podem estimular os países para avanços reais.

O rascunho mostra que não há superação completa de um ponto que vem emperrando a discussão nas reuniões pré-COP29 há meses: a definição dos contribuintes obrigatórios, a exemplo do que está no Acordo de Paris. Há tanto uma versão que reconhece a responsabilidade dos maiores poluidores históricos (países ricos), com a possibilidade de contribuição voluntária de países em desenvolvimento em ascensão (como China), enquanto a outra diz que a liderança deve ser das nações ricas, mas “incluindo esforços de outros países com capacidade econômica para contribuir”.

O chamado Novo Objetivo Quantificado Coletivo (NCQG na sigla em inglês) é de US$ 100 bilhões atualmente, mas foi pouco cumprido desde seu prazo inicial, de 2020 a 2025, sem que o valor estivesse atrelado às necessidades reais dos países.

Nesse contexto, o texto apresenta duas interpretações: uma aponta que a meta foi alcançada a partir de 2022, conforme a OCDE.

Outra versão lamenta que a meta não foi atingida e prevê repasse retroativo até 2026. O cumprimento ou não tem sido tema controverso, com questionamentos, inclusive, sobre quais tipos de recursos entraram na contabilização feita pela organização, como no caso de empréstimos a juros significativos ou recursos não diretamente ligados ao clima.

Texto reconhece conhecimento indígena

Um ponto que tem sido elogiado é que o texto reforça a necessidade de valorização da ciência e dos conhecimentos de povos indígenas e tradicionais e comunidades locais, os quais devem ser incluídos no desenvolvimento das ações.

O texto salienta a necessidade de respeito aos direitos humanos, de modo a salvaguardar os povos indígenas e ser sensível às questões de gênero. Deve, portanto, “considerar as necessidades e prioridades dos outros povos e comunidades na linha de frente das mudanças climáticas, incluindo mulheres e meninas, crianças, jovens, pessoas com deficiência e trabalhadores, bem como comunidades locais e sociedade civil, em reconhecimento do seu papel crítico na prevenção, abordagem e resposta às alterações climáticas”.

O documento enfatiza que o NCQG será voltado à aplicação das metas de redução de emissões dos países (as chamadas NDCs) e aos planos de adaptação climática dos países em desenvolvimento. Ao mencionar países pouco desenvolvidos e insulares, diz que a nova meta deve ter equidade e princípio de responsabilidade comum, mas diferenciada a partir das capacidades, vulnerabilidades e diferentes circunstâncias de cada país.

Além disso, reconhece que os países em desenvolvimento sofrem impactos desproporcionais das alterações climáticas e enfrentam diversas barreiras e desafios, como elevados custos, espaço fiscal limitado, altos níveis de endividamento e altos custos de transação. Também enfatiza a necessidade de respeitar a soberania dos países, enquanto destaca a “importância da justiça climática na tomada de medidas para enfrentar as alterações climáticas”.

Reforça, ainda, que é necessário investimento anual de US$ 4 trilhões em energia renovável até 2030 para que a neutralidade de carbono seja alcançada até 2050. “Espera-se a necessidade de investimento de ao menos US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões anuais para a transformação global para uma economia de baixo carbono”, acrescenta.

O rascunho inicia com uma contextualização de que o financiamento é importante para atingir o artigo 2 do Acordo de Paris, de 2015, de conter o aquecimento global abaixo dos 2ºC (em relação aos níveis pré-industriais), com esforços para que seja contido em 1,5ºC – elevação que já implica em intensificação e aumento na frequência de extremos climáticos em todo o mundo, como ondas de calor, secas e enchentes.

Desse modo, poderia “tornar os fluxos financeiros consistentes com um caminho rumo a baixas emissões de gases de efeito de estufa e um desenvolvimento resiliente ao clima”. O texto salienta a “urgência de aumentar a ambição e a ação nesta década” e admite que “há uma lacuna, mas barreiras ao redirecionamento de capital para a ação climática”.

‘Pode tornar o sucesso da COP-30, no Brasil, mais difícil’, diz secretário-geral da ONU

Em coletiva de imprensa, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse ter pedido aos líderes do G-20 a garantirem que seus negociadores obtenham um financiamento climático ambicioso na COP. “Ouvi de líder após líder sobre a importância do sucesso concreto”, afirmou.

Também voltou a falar que o relógio “está correndo”, embora admita que as diferenças entre as defesas dos países continuem. “Isso pode comprometer tanto as ações de curto prazo quanto a ambição na preparação dos novos planos nacionais de ação climática, com potenciais impactos devastadores à medida que pontos de inflexão irreversíveis se aproximam. Isso inevitavelmente tornaria o sucesso da COP-30, no Brasil, mais difícil”, completou.

Também disse que financiamento não é esmola, mas um investimento contra a devastação. “Em meio a divisões e incertezas geopolíticas, o mundo precisa que os países se unam. Então, apelo diretamente aos ministros e negociadores: suavizem as linhas duras. Naveguem por um caminho através de suas diferenças. E mantenham seus olhos no quadro geral. Nunca se esqueçam do que está em jogo. Esta é uma COP para fazer justiça diante da catástrofe climática…”, acrescentou.

Após o discurso, Guterres respondeu a jornalista que os países seguem a defender as posições iniciais, mas que é o momento de esclarecer opiniões e avançar em pontos chave. “Ainda há tempo, ainda é possível, e sou confiante que o acordo pode ser alcançado”, disse.

Além disso, ao ser questionado, afirmou que é impossível manter o aquecimento global até por volta de 1,5ºC se a exploração de combustíveis fósseis continuar. “Minha opinião é clara: independentemente de qualquer linguagem adotada (nos compromissos, na COP passada, falou-se em “afastamento”), não mudamos essa realidade”, concluiu.

‘Não é nem uma piada: é uma ofensa ao Sul Global’, diz Bolívia

Parte dos países em desenvolvimento criticaram o novo texto. Em plenária com a presidência da COP, a vice-ministra de Desenvolvimento Estratégico de Recursos Naturais do Peru, Raquel Soto Torres disse estar desapontada pela falta de um quantum na proposta e, também, voltou a defender que deve atender às estimativas especializadas de que seja de ao menos US$ 1, 3 trilhão anual.

O negociador-chefe da Bolívia, Diego Pacheco, disse que a recusa dos países ricos em atender à demanda trilionária é uma hipocrisia e violação da justiça climática. “Continuam evitando claras obrigações legais”, afirmou.

Ele disse que a situação não é de zero avançado, mas de avançado abaixo de zero, por considerar que há retrocessos, como na insistência de uma parte das nações em que mais países sejam reconhecidos como pagadores compulsórios. “Não é nem uma piada: é uma ofensa ao Sul Global”, classificou.

Também defendeu que é preciso mais vontade política. “É uma traição ao multilateralismo, ao Acordo de Paris, a milhões de pessoas pelo mundo e à mãe terra”, afirmou. “Ainda precisamos buscar um balanço.”

Já o negociador do Quênia, Ali Mohamed, disse que o rascunho “não leva em consideração necessidades dos países em desenvolvimento”. Além disso, classificou alguns trechos de inaceitáveis e “inconsistentes em relação ao Acordo de Paris”.

Como foi a repercussão?

Diretor técnico da organização Laclima, André Castro considera que o texto mostra que as negociações ainda estão rachadas entre países ricos e em desenvolvimento. Ele espera que a situação mude ao longo do dia e na sexta-feira, pois parte das nações costuma insistir em seus posicionamentos até quase o último momento.

Coordenador de projetos internacionais da Laclima, Eneas Xavier considera importante que o texto faça menção direta ao IPCC, principal instituição mundial no mapeamento científico das mudanças climáticas. Da mesma forma, também avaliou como positiva a menção direta aos povos indígenas e ao “fardo” dos empréstimos. “A gente espera avanços no decorrer desse dia”, finalizou.

Já a coordenadora de projetos da Laclima, Gaia Hasse resumiu como um texto com “falta de ambição”. Para ela, não está à altura da urgência climática, tão evidente em desastres ocorridos neste ano, como a enchente recorde no Rio Grande do Sul e as secas e queimadas na Amazônia. Dessa forma, uma decisão mais robusta poderia sobrar para a COP-30, de Belém.

Organizações internacionais também começaram a repercutir a publicação. A Climate Action Network International (CAN) avaliou que o texto segue incompleto. O entendimento da organização é de que os números precisam ser colocados na mesa agora, para não se correr o risco de uma COP sem avanços tão significativos. Assim como avaliou que tende a reduzir as responsabilidades diretas dos países ricos, repassando-as parcialmente para o setor privado.

Já a WWF apontou que a falta de um valor definido no rascunho é preocupante. “As decisões mais desafiadoras ficaram para o último minuto.”

*A repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade

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