Raul Jungmann: ‘Bolsonaro persegue o modelo de Chávez’

05/06/2021 13:30
Por Marcelo Godoy / Estadão

O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann acredita que os militares brasileiros estão diante de um processo que assemelha-se aos passos iniciais do chavismo, na Venezuela, quando Hugo Chávez passou a transferir para si os poderes dos comandantes das Forças. Estes, ao evitarem um confronto, pensando em preservar a Constituição, acabaram permitindo a destruição da ordem legal. Leia a seguir, trechos de sua entrevista ao Estadão.

O que o sr. acha que ocorreu para Pazuello não ser punido?

A narrativa que ouvi caminha em uma dupla direção. Houve uma reunião remota do Alto Comando anteontem. O comandante Paulo Sérgio pediu a opinião do Alto Comando, que teria sido majoritariamente pela punição. Não pelo ânimo de punir, mas pra preservar a hierarquia e a disciplina, sem as quais um Exército se transforma em um bando armado. Ele (Paulo Sérgio) teria comunicado que sua decisão era não punir, o que foi acatado por todos, pois essa é uma decisão privativa do comandante. Ouvi de outros que o general disse a oficiais mais próximos que teria agido para evitar uma crise maior, resultante da punição de Pazuello que viesse a ser anulada, o que implicaria no afastamento em dois meses do segundo comandante do Exército.

Ao fim e ao cabo, agrava-se a crise em vez de encerrá-la?

Aqui vale a frase do Churchill em relação à política de apaziguamento de (Neville) Chamberlain (em 1938, em relação à Hitler): ‘Vocês não terão a paz, e terão a guerra’. O que quero dizer é que os militares daqui estão enfrentando o que os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista. Bolsonaro persegue o modelo de Chávez. Ele, como Chávez, quer reduzir o comando dos militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele. Temos o exemplo próximo da Venezuela, aonde, paulatinamente, Chávez tirou poder dos generais e transferiu para ele. Os militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o confronto direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é que assim correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a disciplina.

O que fazer então?

Inequivocamente proceder a punição. Pois ou você fica com o Exército, a instituição permanente de Estado, ou você fica do lado da anarquia nos quartéis. Não há meia solução nesse caso. Não tenha a menor dúvida de que isso terá reflexos. Você viu o que aconteceu em Pernambuco? Embora seja outra instituição, estadual e policial, o que ocorreu ali pode servir de exemplo para a ação de grupos de policiais contra manifestações democráticas da oposição, que fazem parte do jogo político-eleitoral. Por isso que em Pernambuco também deve ter punições. Não pelo prazer de punir, mas pela necessidade de se preservar as instituições.

Se o apaziguamento a Bolsonaro não é o caminho, qual seria o caminho? O impeachment?

Eu não vejo condições momentâneas para o impeachment. Primeiro, estamos em meio a uma crise humanitária, fruto da pandemia, que deve ser a principal preocupação de todos os agentes públicos, porque está em jogo a vida das pessoas. Ao contrário do que vivemos com Collor e com Dilma, o caminho da solução política encontra-se bloqueado pela pandemia, que inibe grandes manifestações. Mas, se a política não resolve a crise, a crise devora a política. Vivemos esse impasse. Mas acredito que até o fim do ano teremos uma situação em que a pandemia não seja mais agressiva e mortífera e aí você pode destravar os movimentos de rua e caminhar para uma solução política da crise. Em segundo lugar, nesse momento, não existem votos suficientes no Congresso e, terceiro, não acredito que os presidentes da Câmara e do Senado, sobretudo o da Câmara, tenham disposição e vontade de fazê-lo, pois são aliados do presidente.

Se o caminho político está bloqueado há risco de ruptura e divisões nas Forças Armadas?

Ao você aceitar a transferência do mando da hierarquia para o poder político, como foi este caso, você abre possibilidade que se ampliar esse mando político e o mando da política. Isso significa a possibilidade da fragmentação da unidade das Forças Armadas. Lembro dois episódios. O primeiro é o do coronel Bizarria Mamede, quando fez um discurso no enterro em 1955 do presidente do Clube Militar, general Canrobert Pereira da Costa. O ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, determina sua prisão contra a vontade do presidente Carlos Luz. Esse é o caminho a seguir, o da preservação do Exército. O outro é o que não se deve seguir: João Goulart, às vésperas de 1964, vai confraternizar no Automóvel Clube com os sargentos insubordinados, o que representou a ruptura final entre a hierarquia militar e o presidente. Fica claro que você abre uma caixa de Pandora e perspectivas como essas (de uma ruptura) que não eram uma possibilidade, ocorrendo uma agravamento e uma repetição disso, sim, abrem-se as portas do inferno com o qual a democracia brasileira não pode conviver. Por isso o apelo que fiz à unidade e à necessidade das forças democráticas reagirem.

O que o Congresso pode fazer nesse caso?

O Congresso precisa regulamentar a participação de militares da ativa no governo. Esta crise poderia ter sido evitada se a regulamentação existisse, deixando claro que militares da ativa não devem participar de governo militar é a defesa da Pátria, da Nação, indistintamente de governos. No momento em que militares da ativa participem de governo, eles são a instituição. O general Pazuello é a instituição. Militar da ativa, salvo excepcionalidade, como uma Casa Militar, não deveriam participar de quaisquer governos em nome da sua instituição e da sua higidez.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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