Reflexões do auto-confinamento
Abro com freqüência a Constituição Federal, embora não tenha cultura jurídica. Bem sei que o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, mas esta obriga a todos os cidadãos e portanto também pertence a cada um, quaisquer que sejam os setores e níveis de sua formação. A Carta Magna foi elaborada por uma Assembléia Constituinte que assim abriu o seu Preâmbulo: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos…”. Foi portanto em nome de todo o povo que foi elaborado o texto.
Por que não foi a Constituição submetida a referendo, o que só lhe reforçaria a legitimidade? Pois se acabavam de incluir o referendo e o plebiscito no seu texto! As sucessivas composições do Congresso Nacional evidenciaram igual desapreço pelos dois instrumentos, eis que só os ativaram uma vez cada, desde 1988.
O artigo I apresenta um caput lindo demais, que transcrevo por ser curtinho: “Título I, Dos Princípios Fundamentais; Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”. Notem que a Constituição-cidadã cita a cidadania como fundamento, mas sequer a define! Digam-me se dá para entender? Encontrei diversas interpretações, a maioria referindo-se ao exercício de direitos políticos entre os quais se destacariam os direitos de votar e ser votado. Se assim for, o TSE incorre em inconstitucionalidade ao negar registro às candidaturas avulsas, o que aliás também faz ao arrepio do Direito Fundamental XX que cito abaixo. Positivamente, a falta de clareza não é de boa técnica legislativa e mais choca ao acontecer em Constituinte. Nunca soube de quem tivesse apontado a omissão, pois anoto-a aqui e deixo proposta uma definição: “cidadania é o direito de votar e de ser votado, sendo a filiação partidária uma opção; implica em participar de todo o processo de tomada de decisões que diga respeito às pessoas e às coletividades e liderar a elaboração do planejamento visto inexistirem representantes eleitos para mandatos superiores a quatro anos, assegurando a continuidade das ações dos que vier a eleger; e também na ativa participação da gestão pública por meio de conselhos, audiências públicas, orçamento participativo e execução do planejamento a curto prazo, correspondente este a um mandato”.
O Direito Fundamental do art. 5º, XX, assegura que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Portanto, os candidatos avulsos são constitucionais, em que pese a resistência oferecida pelos partidos dado o temor de ver extinto o seu monopólio de seleção de candidatos e , em conseqüência, o fluxo de recursos oriundos dos Fundos abastecidos por meios hauridos do povo.
O Direito Fundamental XLI, ou 41, prevê: “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Os avulsos seguem compelidos à filiação, a cidadania é pilar sem força e os partidos retêm todos os seus privilégios.