Reflorestamento feito de forma correta pode evitar novas tragédias

Enquanto não há um plano definido para reflorestar a cidade após chuvas, podas incorretas são motivo de preocupação 

05/06/2022 08:57
Por João Vitor Brum

A destruição do Meio Ambiente está diretamente ligada às catástrofes naturais que o Brasil têm enfrentado nos últimos meses, nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, além de outros também atingidos. Parte da solução para esses desastres está na prevenção do que restou e no reflorestamento do que foi desmatado. Mas, como especialistas alertam, é preciso que o trabalho seja feito a partir de estudos concretos, para evitar gastos desnecessários de dinheiro público e ações ineficazes. Enquanto isso, podas de árvores no Centro Histórico têm sido motivo de preocupação para ambientalistas – desde dezembro, mais de mil podas foram realizadas pela Comdep.

Neste domingo é celebrado o Dia do Meio Ambiente, criado há 50 anos em Conferência das Nações Unidas em Estocolmo. A data tem como objetivo principal chamar a atenção de todas as esferas da população para os problemas ambientais e para a importância da preservação dos recursos naturais, que até então eram considerados, por muitos, inesgotáveis.

Petrópolis, que respira natureza em todos os cantos, tem papel importante na preservação do Meio Ambiente, em especial após sucessivos desastres naturais que, a cada vez, tornam a cidade (e a população) mais vulnerável.

No Inventário Botânico do Centro Histórico de Petrópolis, elaborado em 2019 pela Universidade Católica de Petrópolis, com a coordenação da Professora Danielle Pinto Inocêncio da Silva, um total de 2.395 árvores foram catalogadas. 

Não há informações sobre quantas destas árvores caíram ou precisaram ser cortadas após as chuvas do início do ano, mas, após apenas uma tempestade, no fim de janeiro, pelo menos 16 quedas de árvores foram registradas pela Defesa Civil, o que indica que o total de quedas dos últimos meses pode ser muito maior.

Desde então, o reflorestamento das áreas atingidas tem sido motivo de debate entre instituições que defendem o Meio Ambiente, mas ainda não há ações concretas previstas. 

O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), que ficou responsável pelo trabalho, informou que o reflorestamento das áreas atingidas pela tragédia é discutido pelo grupo de trabalho criado para acompanhar as intervenções e recomposição florestal propostas pelo Ministério Público Estadual, no âmbito do Inquérito Civil 05/2022.

O grupo de trabalho é formado por técnicos do Inea,  Ministério Público, Rede Ser.ra, Universidades e Comitê de Bacias que dialogam sobre as áreas prioritárias para restauração visando mitigar os danos atuais, inundações e escorregamentos que possam ocorrer no futuro.

O engenheiro agrônomo Rolf Dieringer, membro da Rede Ser.ra e integrante do grupo de trabalho, explica que o reflorestamento ajuda a conter a velocidade do fluxo d’água, podendo evitar novas tragédias, e que o desmatamento na região do Vale do Cuiabá contribuiu para a proporção que o desastre de 2011 teve na localidade.

“O reflorestamento é um assunto em que podemos ver o quão distante da realidade estão as autoridades. Por exemplo, o Vale do Cuiabá tem uma área de 1.500 hectares desmatada, o que contribuiu para a tragédia de 2011, pois com essa área desmatada por queimadas, a água desceu com muito mais velocidade para os rios. Antes da tragédia, já se falava da necessidade de reflorestar a área, mas até hoje nenhum hectare foi recuperado. Com o reflorestamento, 90% da água ficaria na mata, não desceria direto para o rio, diminuindo a velocidade do fluxo e evitando enchentes”, explicou o engenheiro agrônomo, garantindo, ainda, que o reflorestamento é muito mais barato para os cofres públicos do que as obras de reconstrução.

“Foram gastos R$ 150 milhões em dragagem de rios, criação de calhas, e agora, anos depois, o trecho está mais assoreado do que antes. Se fosse reflorestado, o investimento seria de R$ 75 milhões, metade do valor gasto, e resolveria o problema de forma definitiva. Hoje, o risco continua o mesmo, não mudou nada, e os rios já estão assoreados novamente”, explicou Rolf.

Porém, como a região do primeiro distrito não possui tantas áreas disponíveis para reflorestamento quanto outras regiões da cidade, outras saídas precisariam ser encontradas.

“A situação do Centro é diferente, pois não há muitos espaços disponíveis para reflorestar. Nesse sentido, algumas ações poderiam ser feitas em termo de estabilização de encostas com a vegetação. Temos exemplos claros aqui na cidade, de áreas totalmente preservadas em que não se vê deslizamentos ou enchentes. Na Fazenda Inglesa, por exemplo, não temos registros de queimadas e, consequentemente, nem de deslizamentos ou enchentes, exatamente porque há a preservação”, concluiu o engenheiro.

A necessidade de reflorestar a cidade de forma eficiente também tem sido debatida pelo Iphan, neste caso, com conjuntos tombados pelo órgão federal. O Instituto explica que o bem tombado é o conjunto e as árvores são elementos que integram esse conjunto, e que, no processo de tombamento, está claro que o principal atributo a ser protegido em Petrópolis é a integração equilibrada da arquitetura na paisagem.Nesse sentido, é imprescindível a preservação das florestas e das manchas verdes entrelaçadas às edificações do Centro Histórico. 

“Observando a atual situação das árvores na cidade, é imprescindível que seja elaborado um projeto de arborização, pois há inúmeras situações de conflito entre árvores, fiações, iluminação pública, passeio público e edifícios históricos. Há espécimes inadequados para a área urbana, espécimes exóticos que são mais suscetíveis às pragas, assim como há espécimes plantados muito próximos aos outros”, disse Thiago Fonseca, chefe do Escritório Técnico do Iphan na Região Serrana. 

Entre os conjuntos tombados pelo Iphan com árvores integrando o ambiente, o órgão destaca as Avenidas Koeler, Tiradentes, Ipiranga e Piabanha; as ruas Raul de Leoni, Montecaseros, Imperatriz, Barão de Amazonas, Monsenhor Bacelar, Benjamin Constante, Visconde de Souza Franco, Buarque de Macedo e Doutor Sá Earp, além das praças da Liberdade, da Confluência (no Palácio de Cristal) e o Boque do Imperador.

“Não se deve simplesmente plantar árvores no espaço público, como se fosse ‘quanto mais melhor’, e sim projetar a arborização considerando todas as implicações desta decisão. Somente assim aproveitaremos o quê de melhor as árvores têm a oferecer à área urbana, facilitando enormemente o manejo”, completou Thiago Fonseca.

Mais de mil árvores receberam podas e cortes emergenciais desde dezembro

Além do plantio de novas mudas, o cuidado com as árvores existentes também é essencial para a preservação do ecossistema da cidade e na prevenção de novos desastres. De acordo com a Comdep, desde o início da atual gestão, a poda e o corte emergencial de mais de mil árvores, em ruas de diversos bairros. Porém, há dúvidas sobre a eficiência dessas ações.

“As árvores ficaram anos sem poda, sem manutenção, e por isso ficaram cobertas por ervas-de-passarinho, que enfraquecem e matam as árvores. Se tivesse cuidado constante, as árvores não estariam morrendo. É desastrosa a falta de cuidado com as árvores da cidade”, disse Rolf Dieringer, destacando  que as deficiências com podas e cortes de árvores na cidade já existem há, pelo menos, cinco anos. 

“São mais de cinco anos de descaso, e isso continua até hoje. É impressionante a falta de profissionalismo que existe nisso. Não está sendo feito o mínimo: adubação, poda, plantio, nada. Quando há a reposição de mudas, é ainda mais absurdo, porque colocam as sementes sem nenhum tipo de critério. Existe um certo padrão ao fazer uma arborização. No talude do rio, não pode ser plantada uma árvore muito grande. Tem que se respeitar um espaçamento entre elas, o que também não acontece. Também é necessário saber quais tipos de árvores estão sendo plantadas em um mesmo local. Sem isso, em nada adianta”, explicou o engenheiro.

Sobre as podas e cortes, a Comdep informou que, como procedimento padrão, a companhia aciona previamente a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que avalia a situação de cada árvore e a necessidade de poda de galhos ou corte antes de formalizar a autorização para o serviço.

O presidente da Comdep, Leonardo França, afirma que as atividades de poda vêm respondendo a demandas fitossanitárias e urbanas que não estavam sendo atendidas. “Nos últimos cinco anos, não houve, praticamente, serviço regular de poda na cidade”, afirma França. Na Avenida Koeler, no Centro, ele exemplifica, as magnólias estavam abafadas pela erva de passarinho, que poderia levar as árvores à morte se não fosse feita a poda.

Os critérios para a realização das podas e cortes são a ocorrência de doença ou outras ameaças sanitárias às árvores, os riscos a moradias e vias públicas e o transtorno ao tráfego de ônibus e caminhões, quando as galhadas avançam sobre as pistas. Em alguns casos, após as chuvas de fevereiro e março, a Comdep realizou podas e corte emergenciais em vários pontos da cidade.

Sobre as podas, o Iphan informou que, antes mesmo dos eventos trágicos de fevereiro e março, já vinha atuando nessa questão arbórea conjuntamente com a Prefeitura de Petrópolis. Os pedidos de supressão e podas das árvores nas áreas tombadas públicas também são encaminhados ao Iphan para autorização e ciência da Autarquia.

No caso de poda ou corte em imóvel particular, o proprietário deve solicitar autorização legal à Secretaria do Meio Ambiente, que enviará equipe ao lugar, para avaliar a situação da árvore. O pedido pode ser feito pelo telefone 2246-9233.

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