Renato Teixeira e Fagner lançam álbum cheio de histórias

30/05/2022 08:26
Por Julio Maria / Estadão

A casa da Rua Alves Guimarães está no centro desta história. Ao chegar ali para sua primeira reunião com os diretores da Kuarup, Renato Teixeira levou um susto. Aquela era, ele reconheceu logo depois de entrar, a sua própria casa. “Essa casa é minha”, disse aos produtores, emocionado. A Kuarup, sem saber, estava sediada no mesmo endereço em que Renato Teixeira morou por 15 anos, entre 1970 e 1985. Sentado naquela sala, compôs Romaria e recebeu Fagner para ouvir em um aparelho Akai e em primeira mão as masters do álbum Manera Fru-Fru, Manera, conhecido também como Último Pau de Arara, em 1973. Foi ali que sua filha Bel nasceu, que recebeu Belchior e que chegou a fazer parceria com Guilherme Arantes. Isso tudo há quase 50 anos.

Assim, cheio de ligações afetivas, Renato Teixeira e Fagner colocaram de pé a ideia de fazerem um álbum juntos sob aquele teto, a casa da Kuarup que um dia foi a de Renato. E seria lindo se o álbum levasse o nome de Casa, ou algo parecido, com uma bela foto dos dois em frente ao portão, mas o título escolhido foi Naturezas, que também aponta para um mote interessante.

São mesmo dois Brasis fortes que se encontram nesses registros. Um, apesar de Renato ser santista, é o dos interiores grandes de São Paulo, representado pela MPB, pela primeira vez em escala nacional, quando Elis Regina gravou Romaria, lançada em 1977. “Elis, depois de sua gravação consegui construir as paredes da minha casa própria. Grava outra pra eu fazer o telhado”, dizia Renato à “baixinha”. As casas de Renato parecem dizer algo o tempo todo. Depois que Elis morreu, ele viveu por anos na “casa no campo” sonhada pela cantora, a residência de madeira na qual ela havia morado na Serra da Cantareira.

O outro Brasil, de outros interiores, vem de Fagner. Ibérico por ser nordestino, mas também caboclo, árido, sertanejo e com um grau de sonhos românticos mais acentuado, Fagner sentiu-se possível pela primeira vez também nos braços (e na casa) de Elis.

Antes mesmo que ela gravasse algo que houvesse sido criado por ele, e quando Fagner já pensava em voltar do Rio para o Ceará a fim de estudar qualquer coisa que não fosse música, o andarilho em busca de intérprete foi “adotado” por Ronaldo Bôscoli e Elis na casa do casal. Uma casa de vista oceânica na Avenida Niemeyer, de onde se via naturalmente o mar, a mata e as brigas do casal. Curioso como que entre Fagner e Renato existe essa outra grande casa, Elis Regina. Mas lá foi Fagner para a casa de São Paulo, na Rua Alves Guimarães, se reencontrar e produzir memórias.

A criação das músicas inéditas funcionou assim: Fagner mandava as melodias e Renato pensava nas letras. “E eu acho esse cara um dos melhores intérpretes do mundo”, diz Renato. Saíram canções tanto mais urbanas, como Juro Procê, cantada só por Renato, quanto o folk Eu Comigo Mesmo, em que cantam juntos. Um instante sublime acontece na interpretação de Para o Nosso Amor Amém, quando se juntam Fagner, Renato e Almir Sater cheios de uma verdade difícil que Renato diz sempre de forma tão simples. Muita história parece vir à tona no instante em que eles cantam juntos o refrão. Linda de Mansinho, quase um bolero, fala de alguém que foi embora na melhor entrega de Fagner na primeira parte; Rastros da Paixão, um bolero por inteiro, faz homenagem ao compositor Evaldo Gouveia, o que tem a ver com outra casa, a casa de Fagner dos tempos de Fortaleza. Evaldo era seu vizinho e fazia dupla com Fares Lopes, irmão mais velho de Fagner. Aquilo jamais saiu de sua cabeça nem de sua voz. Outra canção, chamada Aqui É Ceará, foi feita por Fagner a capela, sem violão, e musicada por Renato durante um voo.

Agora, ainda que não sejam inéditas, os dois grandes atos do álbum talvez sejam as regravações de canções que marcaram a vida de Fagner e de Renato, e o fato de serem regravações não diminui a força dessas canções monumentais. A primeira é Tocando em Frente, que Almir Sater fez com Renato Teixeira e que foi gravada pela primeira vez por Maria Bethânia, em 1990. Fagner chama atenção para um fato: “É a primeira vez que Almir e Renato aparecem juntos cantando essa canção. Isso não havia acontecido”.

A segunda, do acervo de Fagner, é Mucuripe, com Belchior, cheia de histórias. “A minha versão é a seguinte: eu fiz a música com a letra do Belchior. Um dia, no período em que ficamos sem nos falar, ele apareceu cantando uma outra melodia. Mas a que ficou foi a minha”.

Parceria acidental

Fagner e Renato Teixeira descobriram um pouco mais um do outro durante o processo de feitura do álbum. “As melodias de Fagner parecem chegar com letra”, diz Renato, com aquelas suas frases que parecem chegar sempre com poesia. “Fazer isso com Renato foi uma maravilha. Ele decifrava muito rápido o que seria a ideia de uma canção”, conta Fagner.

A capa do álbum é provavelmente a última feita por Elifas Andreatto, uma bela ilustração sobre os perfis dos artistas. E uma outra história, dos tempos em que os discos tinham história, precisa ser contada. Quando Fagner foi mandar uma das suas ideias de melodia para Renato por WhatsApp, acabou enviando o arquivo errado. A música que chegou a Renato para ser letrada era, na verdade, uma parceria com o pianista Antonio Adolfo. Renato ouviu surpreso pensando “caramba, como Fagner está tocando piano bem” e colocou a letra. Eu Só Quero Ser Feliz virou, sem querer, uma parceria de Renato com Antonio e Fagner.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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