Retornando das cinzas

22/08/2017 12:10

Durante alguns anos morei na Rua Alberto Torres, no número 297. Foi um tempo feliz. Por lá realizei um sonho antigo: montar um pequeno teatro, na área dos fundos, usando a garagem como palco. Fiz também uso do quarto de empregada, que ficava de frente para o palco, como técnica, com mesa de som, para controlar os alto-falantes, e de luz para controlar os 40 refletores. Ao lado da técnica, adaptei o banheiro, já existente, para atender a ambos os sexos, separadamente, é claro, e de forma individual. Sobre a porta da garagem, de frente para a rua, coloquei um letreiro luminoso, com letras em vermelho, com o nome do teatro: Abelardo Romero, em homenagem ao meu saudoso pai, grande amante e conhecedor dos primórdios das artes cênicas. 

Na plateia, (área com piso de cimento), coloquei ardósia, que costumava cobrir com tapetes, nos dias de espetáculo e, enfileiradas sobre o piso, cinquenta e quatro poltronas numeradas, para as quais mandei confeccionar acento e encostos macios, para melhor conforto do público. Outras despesas que tive foi a de aumentar a altura do muro que limitava nossa área com área dos vizinhos e, naturalmente, a cobertura da área, com toldos de lona que eram abertos e recolhidos a cada função, para proteger o público da chuva e do sereno. E não vou negar que na estreia do teatro tive, provavelmente, a noite mais feliz da minha vida. Não existe maior prazer do que a realização de um sonho. Formei um grupo de atores e montei algumas peças que já havia escrito. 

Cada estreia era como o nascimento de um filho. Minha esposa, que nunca chegou a aprovar minha iniciativa, vivia a proclamar que perdera a tranquilidade do lar, para morar num teatro. Por fim, um lamentável acontecimento, a tentativa de invasão por um pseudo ladrão, fez provocar nossa mudança para um apartamento e, consequentemente, a perda do teatro. Assim como a estreia do espaço improvisado tornara-se o dia mais feliz da minha vida, o dia de nossa mudança foi, provavelmente, o mais triste para mim. E porque conto tudo isso? É para explicar a necessidade que fez nascer o pequeno, em tamanho, jornal “Carlitos News”, tecnicamente classificado como fanzine. O “Carlitos”, com duzentos exemplares enviados mensalmente através dos Correios, apoiado por pequena publicidade, teve como principal objetivo noticiar as novidades sobre o nosso teatro, em substituição aos boletins, também enviados mensalmente aos nossos parentes e amigos que, naturalmente, faziam parte de nossa plateia.

 Porém, o Teatro acabou, mas nosso fanzine, ao adquirir vida própria, continuou. Entretanto, o número mais recente publicado foi datado de dezembro do ano passado. Aconteceu um inexplicável desânimo de minha parte para escrever e publicar o fanzine. Porém, para minha surpresa e júbilo, recebi e-mails e telefonemas de alguns assinantes, me cobrando a remessa, e se não fosse essa surpreendente cobrança, o fim já estaria sacramentado. Enfim, assim como a mitológica Fênix, o Carlitos News, retorna das cinzas para o prazer do editor e de seus fiéis leitores.


    

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