Revisitando Esopo e as máximas de Roberto Campos

21/set 08:00
Por Gastão Reis

Ainda me recordo bem de uma aula de latim (sim, ainda estudei dois anos de latim no antigo ginásio de quatro anos no ICAW) em que o professor mencionou as fábulas de Esopo, famoso grego de quem nunca ouvira falar. Na verdade, pouco se sabe sobre ele. A Collins Classics publicou, em 2011, “As Fábulas de Esopo”, com 322 fábulas, não todas dele, mas que compartilhavam do mesmo espírito das dele. Até mesmo se duvida de sua existência. Entretanto, afirma que teria vivido na Grécia entre os anos de 620-574 B.C. Teria sido escravo que se tornou livre pela sabedoria que emanava de suas fábulas.

Um bom resumo sobre o autor nos informa o seguinte: “As fábulas de Esopo tipicamente ilustram conversas em que animais, sob a forma antropomórfica em situações simples da vida, oferecem a quem ouve ou lê uma moral delas oriunda. Em vários aspectos, elas são lições filosóficas que nos orientam. Servem ao mesmo propósito das parábolas da bíblia e outras escrituras religiosas, sem o aspecto espiritual destas últimas”.

Fedro, o grande imitador de Esopo, nos fala do duplo propósito do ofício do escritor de fábulas. Em latim: “Duplex libelli dos est: quod risum movet, et quod prudenti vitam consilio monet”. Ou seja, em português: “O livrinho tem duplo mérito, porque não só provoca o riso, como também dá sábios conselhos sobre a vida”. (Conte agora, caro(a) leitor(a), o número de palavras usadas em latim e em português para admirar a concisão vocabular de nossa língua mãe. Nenhuma outra o supera.)

Algumas dessas fábulas, a despeito de mais de 2500 anos de existência, nos ajudam a entender o que vem se passando no Brasil. Ou melhor, a falta de moral que nos incomoda tanto. Moral é aquele conjunto de valores e regras que definem o que é certo ou errado, permitido ou proibido em uma sociedade. Ainda que tais valores possam variar de uma sociedade para outra, existe um fio condutor que subsiste como referencial aceito pela humanidade de um modo geral. O que se passa hoje na Venezuela dá bem medida de como um país pode se afastar tanto das práticas democráticas e morais.

A fábula sobre “A Lebre e a Tartaruga” ilustra o fato de um animal que se desloca lentamente possa vencer outro que incorpora o próprio espírito da velocidade. Após a partida veloz da lebre, ela se sentiu um tanto cansada. E foi bastante arrogante a ponto resolver tirar uma soneca no meio da corrida. A tartaruga continuou em seu passo de cágado de modo firme e compassado. Quando a lebre acordou notou que havia perdido a tartaruga de vista. Saiu em disparada, mas acabou cruzando a linha de chegada pouco atrás da tartaruga. O paralelo com o Brasil é a nossa coleção de décadas perdidas ao ansiarmos pelo milagre de crescer sem investir. Aquele que Deus se recusa a endossar. Como a lebre, estamos dormindo no meio da corrida face aos demais países.

Uma outra fábula muito conhecida tem como título “O Lobo e do Cordeiro”. O lobo queria comer o cordeiro, mas achou por bem explicar-lhe as razões que o levaram a tal propósito. “No ano passado, você me insultou de modo, grosseiro”, disse o lobo. “Como assim”, respondeu o cordeiro, “se eu nem tinha nascido?”. Então, disse o lobo: “Mas você está comendo do meu pasto”. “Eu ainda sequer provei a grama”, respondeu o cordeiro. “Mas você bebeu água do meu poço!” “Não mesmo, pois ainda só tomo leite de minha mãe”, respondeu o pobre cordeiro.

Ato contínuo, o lobo, irritado, disse ao cordeiro: “Ainda que você refute cada uma das minhas acusações, eu não vou ficar sem o meu jantar”. A moral da história é simples: o tirano sempre encontra um pretexto para sua tirania. No caso do Brasil, basta lembrar do que Ruy Barbosa havia dito sobre a ditadura do judiciário como sendo a pior delas.

Uma outra fábula, “O Leão Doente”, nos diz muito sobre o Brasil republicano. É a seguinte. Um leão envelhecido e doente se tornou incapaz de caçar para se alimentar. Bolou então um artifício para conseguir saciar a fome. Ele voltou para sua toca, e, lá deitado, ele fingiu que estava doente, de tal modo que sua doença fosse de conhecimento público. Os animais expressaram seu pesar, e, um por um, vieram lhe fazer uma visita, e então ele devorava cada um que lá ia lhe prestar solidariedade.

Depois de muitos animais terem sido comidos, a raposa descobriu o truque utilizado pelo leão, e foi lhe prestar uma visita. E se manteve fora da toca. O leão lhe perguntou por que estava do lado de fora, e o convidou para entrar. A raposa agradeceu, e lhe respondeu o seguinte: “Eu observei que existem muitas pegadas entrando em sua toca, mas não as vejo saindo dela”. Moral: é sábio aquele que aprende com o infortúnio alheio.

E foi assim que me lembrei das advertências de Roberto Campos sobre os nossos truques bobos que nos impedem de sair do lugar. Ele dizia que pessoas inteligentes, ou animais como a raposa, aprendem com os erros de outrem. No Patropi, não se trata de aprender com o infortúnio alheio, mas com o próprio. Ele dizia, nessa linha, que o Brasil nunca perde a oportunidade de perder uma grande oportunidade. Dava como exemplo a Lei da Informática, que atrasou o País por mais de uma década, nessa corrida veloz, até ser revogada.

É um tanto cansativo observar a dificuldade de o País acordar e tomar as devidas providências para ir adiante. Entre as máximas de Roberto Campos, vale a pena relembrar algumas escritas quase meio século atrás. A primeira: “Há vários produtos em falta no país, inclusive bom senso”. Continua válida! Outra: “O mundo é hoje dos velozes e não espera os retardatários”. Esta nos remete à imprevidência da lebre sem perder atualidade.    

Para finalizar, cabe relembrar a seguinte: “Se a economia de mercado é maltratada no Judiciário, ela é simplesmente ignorada no Congresso”. Dá para perceber que suas máximas continuam ignoradas, diferentemente das fábulas de Esopo que, em países com a cabeça no lugar, souberam tirar proveito delas. Resta o consolo de que não há males que sempre durem, mas no Brasil perduram além da conta.

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