Revogação da Lei de Segurança trava no Senado
Um mês após a Câmara decidir pela revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN), a medida que altera a legislação elaborada na ditadura militar está travada no Senado, que nem sequer definiu um relator para analisar a proposta.
O governo é contra a redação aprovada pelos deputados e atua para barrar o projeto. Enquanto isso, a regra segue sendo usada para inibir críticos do presidente Jair Bolsonaro.
Um dos casos mais recentes ocorreu no início da semana, em Trindade (GO), onde um policial militar deu voz de prisão a um professor que se negou a retirar do seu carro uma faixa em que chamava Bolsonaro de “genocida”. O agente de segurança citou como justificativa artigo da LSN que trata como crime “caluniar” o presidente da República, com pena de até quatro anos de detenção. A Polícia Federal, no entanto, não viu ilegalidade e liberou o professor.
“Esse fato envolvendo um professor em Goiás é emblemático da importância da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (que substitui a LSN), porque a livre manifestação do pensamento é um direito constitucional, é um dos pilares da democracia”, disse Margareth Coelho (Progressistas-PI), relatora da proposta na Câmara.
Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a ação do policial poderia ter sido evitada caso o Senado já tivesse revogado de uma vez a lei atual. “É estarrecedora e fruto de total abuso de autoridade a prisão do professor em Goiás. Esse despojo da ditadura vem sendo utilizado como medida de intimidação contra os cidadãos que se manifestam pacificamente contra o governo”, afirmou ela, que é autora de um projeto semelhante ao que foi aprovado na Câmara para substituir a LSN.
Desde a aprovação pelos deputados, no dia 4 de maio, o Senado já realizou dez sessões e votou outros 38 projetos. Senadores afirmam haver necessidade de se ampliar o debate sobre a mudança. Ao revogar a LSN, a Câmara criou no lugar a chamada “Lei do Estado Democrático”, que tem como pressuposto, entre outros pontos, instituir o crime de golpe de Estado, inexistente na legislação atual nestes termos. O texto, porém, sofre resistência de governistas, que tentam barrar a previsão de prisão de até cinco anos para quem fizer disparos de fake news em massa durante o período eleitoral.
Bolsonaro é alvo de ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam, justamente, a contratação de empresas de tecnologia para disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp durante a campanha em que foi eleito presidente, em 2018. O tribunal, no entanto, já rejeitou processos semelhantes por falta de provas.
Aliados do governo também são contrários a retirar da lei a punição para quem caluniar ou difamar o presidente da República, sob o argumento de que seria uma “carta branca” para Bolsonaro ser chamado de “genocida”. Apesar da pressão governista, o trecho foi revogado pela Câmara.
“O texto aprovado na Câmara vai ter que ser analisado com calma, pois há temas delicados como a inclusão de 14 novos crimes, os chamados ‘crimes contra o Estado Democrático de Direito'”, afirmou o vice-líder do governo, senador Marcos Rogério (DEM-RR). Ele se diz favorável à revogação da LSN, que chama de “entulho autoritário”, mas pede cautela com o que vai ser aprovado no lugar.
O Estadão revelou em março que o número de procedimentos abertos com base na LSN pela Polícia Federal para apurar supostos delitos contra a segurança nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, na comparação com o mesmo período das gestões Dilma Rousseff e Michel Temer. No domingo, o Estadão mostrou que ao menos dez pedidos de investigações, quatro deles baseados na LSN, foram suspensos nos últimos meses. Para especialistas, apesar de derrotadas nos tribunais, as ações servem como uma forma de intimidação a oposicionistas.
Além de governistas, partidos de oposição também defendem mudanças na proposta aprovada na Câmara. Parlamentares de siglas de esquerda veem uma brecha que, na visão deles, permitiria criminalizar a atuação de movimentos sociais.
O impasse no Senado é visto com apreensão por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas o discurso é de que o ideal é aguardar uma “solução política”. A preocupação da Corte é que uma decisão agora seja interpretada como mais uma interferência do Judiciário no momento em que o Legislativo ainda discute a medida.
Procurado, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não respondeu até a conclusão desta edição.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.