Rússia diz reconhecer áreas separatistas em territórios controlados pela Ucrânia

22/02/2022 15:32
Por Redação, O Estado de S.Paulo / Estadão

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, disse nesta terça-feira, 22, que a Rússia reconheceu a independência das regiões controladas pelos rebeldes dentro das fronteiras que os separatistas proclamaram originalmente quando se separaram da Ucrânia em 2014. A declaração da Rússia pode levar a tentativas de expandir a região separatista pela força.

Na prática, é a primeira vez que a Rússia diz que não considera Donbass como parte da Ucrânia. Isso poderia abrir caminho para Moscou enviar forças militares para as áreas separatistas abertamente, usando o argumento de que está intervindo como um aliado para protegê-los contra a Ucrânia – algo que Putin já está fazendo, ao designar as tropas russas como uma “missão de paz”.

No passado, Moscou recuou do reconhecimento, preferindo exercer controle indireto e usar os territórios como ponta de lança em suas disputas mais amplas com a Ucrânia e o Ocidente. O reconhecimento provavelmente trará dois grandes resultados iniciais. Primeiro, o colapso dos acordos de Minsk e as esperanças de envolver o status da região numa solução diplomática para o conflito na Ucrânia.

Em segundo lugar, daria ao Kremlin uma justificativa para enviar tropas e equipamentos militares russos aos territórios. Isso provavelmente aumentaria o risco de um conflito total entre Moscou e Kiev ao longo de uma linha de frente já ativa.

Aprovação unânime

Enquanto isso, o Conselho da Federação russa (o equivalente ao Senado) ratificou por unanimidade os tratados de amizade, cooperação e assistência mútua com as recém-reconhecidas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk. Os tratados valem por dez anos, e se renovam automaticamente.

Nesta mesma terça-feira, a Duma russa (Câmara dos Deputados) ratificou esses acordos por unanimidade, assim como os parlamentos das autoproclamadas repúblicas.

A medida agrava ainda mais o confronto da Rússia com o Ocidente, especialmente porque, sob os decretos, Putin decidiu também enviar tropas para Donetsk e Luhansk, disse ele, para desempenhar “funções de pacificação” nos territórios separatistas.

Os tratados bilaterais entre a Rússia e Luhansk e Donetsk também incluem a defesa de suas fronteiras em conjunto com a Rússia e a possibilidade de estabelecer infraestrutura e bases militares.

O que começou como uma troca de acusações, em novembro do ano passado, evoluiu para uma crise internacional com mobilização de tropas e de esforços diplomáticos

Eles serão válidos por dez anos com renovação automática por períodos de cinco anos. Também incluem a posterior assinatura de contratos em diversas áreas, desde a esfera militar e técnico-científica, até a esfera social.

Um dos artigos afirma expressamente que, para garantir a segurança, a paz e a estabilidade, cada parte concederá à outra parte o direito de construir, usar e melhorar suas infraestruturas militares e bases militares em seu território.

As formas de execução desse direito estarão sujeitas a outros acordos separados. A Rússia também apoiará os sistemas financeiros e bancários das duas regiões separatistas.

O reconhecimento dos enclaves por Moscou na segunda-feira estimulou os Estados Unidos e seus aliados a se prepararem para um novo conjunto de sanções à Rússia depois que também enviou forças que descreveu como tropas de manutenção da paz.

Líderes europeus disseram na manhã de terça-feira que as forças do Kremlin chegaram às autoproclamadas repúblicas. O chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, disse que “as tropas russas estão em solo ucraniano”, mas que não foi uma “invasão completa”. Enquanto isso, o chanceler alemão Olaf Scholz disse na terça-feira que suspenderia a autorização do Nord Stream 2, o controverso gasoduto entre a Alemanha e a Rússia, por enquanto.

O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse que “não daremos nada a ninguém” e que as fronteiras internacionalmente reconhecidas da Ucrânia “permanecerão assim, apesar de quaisquer declarações ou ações tomadas pela Federação Russa”.

As manobras da Rússia foram fortemente repreendidas por várias nações em uma reunião convocada às pressas do Conselho de Segurança das Nações Unidas na noite de segunda-feira, 21.

O que são as repúblicas populares de Donetsk e Luhansk?

Autoproclamadas, mas quase totalmente dependentes do apoio do Kremlin, as Repúblicas Populares de Donetsk e Luhansk declararam independência de Kiev em abril de 2014, depois que milícias apoiadas pela Rússia tomaram o controle de sedes do governo local e outras infraestruturas após a invasão da Crimeia por Moscou.

Os territórios fazem fronteira com a Rússia no flanco leste da Ucrânia. Grande parte da população da região, que abriga mais de 3 milhões de pessoas, fala a língua russa. A área recebeu grandes quantidades de assistência financeira, humanitária e militar do Kremlin. O apoio de Moscou às regiões veio depois que o movimento pró-ocidental que ficou conhecido como Maidan, que ocupou por meses a Praça da Independência (Maidan Nezalezhnosti), no centro de Kiev, derrubou o presidente pró-Rússia da Ucrânia em fevereiro de 2014.

Sob os acordos de Minsk – negociações de paz mediadas pela França e Alemanha – um cessar-fogo deixou os separatistas no controle “de facto” de cerca de um terço dos distritos administrativos ucranianos de Donetsk e Luhansk, com uma linha de controle pesadamente fortificada separando-os das tropas ucranianas.

A Ucrânia descreve as regiões como “territórios temporariamente ocupados” e os acordos de Minsk preveem seu eventual retorno a Kiev. Mas tanto a Ucrânia quanto a Rússia falharam em implementar os termos dos acordos, deixando o status dos territórios no limbo.

Desde então, a Ucrânia diz que cerca de 15.000 pessoas foram mortas em combates. A Rússia nega ser parte do conflito, mas apoiou os separatistas de várias maneiras, inclusive por meio de apoio militar secreto, ajuda financeira, fornecimento de vacinas contra a covid-19 e emissão de pelo menos 800.000 passaportes russos para residentes. Moscou sempre negou ter planejado invadir a Ucrânia.

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