Rússia e Ucrânia se acusam de planejar ataques em maior usina nuclear da Europa
As tensões em torno da usina nuclear de Zaporizhzhia, na linha de frente da guerra na Ucrânia, aumentaram nesta sexta-feira, 19, quando os militares russos e ucranianos trocaram acusações de que cada um estava se preparando para um ataque nos próximos dias à usina, atualmente sob controle russo, no sudeste da Ucrânia, arriscando um desastre catastrófico.
Os funcionários da fábrica foram obrigados a ficar em casa na sexta-feira, e a Rússia pode estar se preparando para desconectar a usina da rede elétrica da Ucrânia. As Nações Unidas expressaram alarme, alertando que qualquer dano à usina seria “suicídio”.
O Ministério da Defesa da Rússia alegou que os militares ucranianos estavam preparando um “ataque terrorista” ao extenso complexo da usina de Zaporizhzhia, no Rio Dnipro, levando a agência de inteligência militar ucraniana a responder que o alerta russo era na verdade um pretexto para Moscou encenar uma “provocação” de algum tipo na sexta-feira.
As forças invasoras russas tomaram o controle de Zaporizhzhia, a maior usina nuclear da Europa, no início de março e a colocaram sob o controle da Rosatom, a empresa nuclear estatal russa. Mas eles mantiveram funcionários ucranianos lá para operá-la.
Na quinta-feira, 18, a agência de inteligência ucraniana disse que os engenheiros da Rosatom deixaram a fábrica “com urgência” e que apenas “pessoal operacional” seria permitido na fábrica. “A entrada para todos os outros funcionários será fechada”, disse.
Um funcionário da fábrica, comunicando-se com o The New York Times por meio de um colega em Kiev, disse que os trabalhadores estavam aterrorizados.
“A situação é terrível, todos estão com medo das provocações anunciadas pela Rússia”, disse a pessoa, que falou sob condição de anonimato. “O Ministério da Defesa da Rússia disse que espera ataques do lado ucraniano, mas entendemos perfeitamente o que isso significa. Ainda mais pessoas estão tentando sair.”
A Ucrânia alertou que a Rússia pode estar planejando um “ataque terrorista em larga escala” à usina nuclear de Zaporizhzhia para colocar a culpa em Kiev, enquanto a Rússia disse que a Ucrânia e os Estados Unidos estão planejando provocar um acidente na usina, alegando que há um risco e ameaça de superaquecimento do núcleo – o que poderia levar uma tragédia nuclear dez vezes pior do que a de Chernobyl, segundo especialistas.
A Rússia disse na sexta-feira que a presença de suas tropas no local era uma “garantia” de que não haverá reprise do desastre de Chernobyl em 1986, e rejeitou os pedidos da ONU por uma zona desmilitarizada ao redor da usina.
O presidente francês, Emmanuel Macron, conversou por telefone nesta sexta-feira com o presidente russo, Vladimir Putin, para discutir a situação na Ucrânia. De acordo com agências de notícias estatais russas, Putin disse que o bombardeio na usina de Zaporizhzhia cria o risco de uma catástrofe em grande escala.
Situação alarmante
As forças russas ordenaram que os funcionários da usina não comparecessem ao trabalho em meio às tensões e limitassem o pessoal do complexo apenas àqueles que operam as unidades de energia da usina, de acordo com a empresa estatal de energia da Ucrânia, Energoatom. A Ucrânia acrescentou que tem “informações” de que as forças russas planejam desligar os blocos de energia da usina e desconectá-los da rede ucraniana – privando o país de uma importante fonte de eletricidade.
Quaisquer operações de falsos ataques na fábrica estariam no “manual russo – acusem os outros do que você fez ou do que pretende fazer”, disse o porta-voz do Departamento de Estado americano, Ned Price, quando questionado sobre os avisos. Ele disse que os Estados Unidos estão “observando muito de perto”.
Os temores de um possível ataque vieram mesmo após o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, manter conversas na cidade de Lviv, no oeste da Ucrânia, com os presidentes ucraniano e turco em um esforço para aliviar as tensões militares em torno do local. Os reguladores nucleares da ONU têm pedido acesso à usina para garantir sua segurança.
Pela primeira vez, a invasão da Ucrânia ordenada pelo presidente Vladimir Putin colocou usinas nucleares em uma zona de guerra. Para muitos ucranianos, o risco é muito familiar: a usina de Chernobyl, local do pior acidente nuclear do mundo em 1986, fica na Ucrânia, ao norte de Kiev, a capital. As forças russas também apreenderam essa fábrica no início da guerra, antes de se retirarem.
O complexo de Zaporizhzhia foi atingido várias vezes por bombardeios, com cada lado culpando o outro, e alertando que um único projétil atingindo o local errado poderia significar um desastre. Unidades militares russas assumiram posições dentro e ao redor do terreno, levando a acusações de que o estão usando como escudo, e lançando projéteis e foguetes pelo Dnipro, sabendo que os ucranianos estão relutantes em atirar de volta.
“O mundo está à beira de um desastre nuclear devido à ocupação da terceira maior usina nuclear do mundo em Energodar, região de Zaporizhzhia”, escreveu o presidente da Ucrânia, Volodmr Zelenski, no Twitter na quinta-feira. “Quanto tempo levará para a comunidade global responder às ações irresponsáveis da Rússia e à chantagem nuclear?”
Autoridades da ONU alertaram sobre os riscos que os combates representam para a usina e seus seis reatores. Rafael Mariano Grossi, diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica, disse ao Conselho de Segurança da ONU na semana passada que a situação se deteriorou “ao ponto de ser muito alarmante”.
A incerteza em torno da segurança da usina foi ressaltada por um vídeo que circulou online na quinta-feira, mostrando pelo menos cinco caminhões militares dentro de um dos prédios do complexo. Usando fotos de arquivo do interior das diferentes instalações do complexo nuclear, o The New York Times determinou que o vídeo foi feito dentro da sala de máquinas de um dos reatores da usina.
Por que a Rússia colocaria veículos militares tão perto de um reator não está claro. Os próprios reatores são fortemente fortificados.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitro Kuleba, disse na quinta-feira que Grossi aceitou um convite ucraniano para liderar uma delegação à fábrica. “Enfatizei a urgência da missão de lidar com as ameaças à segurança nuclear causadas pelas hostilidades da Rússia”, escreveu Kuleba no Twitter.
O secretário de Estado Antony Blinken disse no Twitter que conversou com Kuleba sobre “nossas preocupações contínuas” em Zaporizhzhia.
Mas o que quer que as autoridades ucranianas digam, são os russos que estão de posse da usina, e não ficou claro se uma visita da agência nuclear internacional poderia ser organizada em meio aos combates. A Rússia expressou apoio a que monitores internacionais inspecionem o local, mas a Ucrânia até recentemente havia indicado relutância, possivelmente por preocupação de que tal visita pudesse de alguma forma legitimar a ocupação russa no local.
Novos ataques
A Rússia continuou a atacar cidades e vilas ucranianas. Na noite de quarta-feira e na manhã de quinta-feira, uma enxurrada de foguetes atingiu a cidade de Kharkiv, no nordeste do país, destruindo um dormitório para surdos e idosos, pulverizando dezenas de casas e matando pelo menos 15 civis, disseram autoridades ucranianas.
O número de mortos civis na cidade ao longo dos seis meses de guerra já ultrapassou 1.000, de acordo com autoridades locais. “A noite passada se tornou uma das mais trágicas para a região de Kharkiv durante toda a guerra”, disse o administrador regional, Oleh Siniehubov, na manhã de quinta-feira. As equipes de resgate ainda estão correndo entre os locais da explosão, disse ele, acrescentando que a contagem de vítimas pode crescer.
O Ministério da Defesa da Rússia disse que atingiu um alvo em Kharkiv que abrigava mercenários estrangeiros, mas não ofereceu evidências para apoiar a alegação.
As agressões começaram por volta das 21h30 de quarta-feira no horário local, quando um míssil de cruzeiro russo atingiu um dormitório que abrigava idosos e pessoas com deficiência auditiva, segundo autoridades ucranianas. Pelo menos 10 civis foram mortos e outros 17 ficaram feridos, incluindo uma criança de 11 anos.
Como alguns dos que moravam no prédio eram surdos, disseram autoridades ucranianas, eles podem não ter ouvido o lamento do alarme do míssil que se aproximava, ou os gritos dos bombeiros chamando por sobreviventes.
O vídeo dos esforços de resgate mostrou parentes de pessoas dentro de um prédio destruído gritando, chorando e chamando por seus entes queridos. “Minha avó está lá”, grita um homem. Não houve resposta. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)