Sapataria Schettini: opções de calçados para todas as ocasiões
Vinculado à bússola interna de quem o calçava, o acessório indicava novas rotas e possibilidades. Companheiro de aventuras, o par garantia segurança e confiança ao navegante que, a bordo da Sapataria Schettini, era convidado a expandir os horizontes.
Para a assistente dentária Marise Pinheiro Brown, de 79 anos, a loja simbolizou a quebra de paradigmas. Foi lá que a petropolitana adquiriu os primeiros sapatos na cor vermelha, o que, segundo ela, deixou a família horrorizada.
“Com 12 anos só dondocas usavam sapatos vermelhos. Acho que foi um ato de rebeldia porque fui criada em colégio interno. Me lembro de ter ido sozinha na Schettini comprá-los e, depois daquele, nunca mais tive salto anabela”.
Aquele era o único par de calçados que Marise tinha além do que usava para a escola. O investimento era alto, mas valia a pena. A costureira Rosângela Lima Dias, de 59 anos, confessa que precisou criar um pé de meia para adquirir o tão sonhado sapato bicolor, forte da casa.
“Eu trabalhava na Rua Teresa e ficava namorando o sapato azul marinho com branco na vitrine. Era caro, mas não me impedia de sonhar, tanto que anos depois consegui comprá-lo. Fui a várias discotecas com ele. Engraçado que, até hoje, quando vejo um sapato nessas cores, me chama atenção”, diz.
Invejáveis, os sapatos da Schettini eram alvo de quem buscava qualidade e bom gosto. A pediatra Nádia Maria Figueira, de 63 anos, revela que foi ao estabelecimento que ela e o marido recorreram quando se casaram.
“Já vai fazer 41 anos. Meu marido, doutor João Tobias, sempre comprava lá porque havia muitos sapatos brancos, então era destino certo dos médicos. A maioria dos masculinos era de cromo alemão, incluindo o que ele usou no casamento e que durou muito”.
Bem-vindo a bordo
Também duradoura foi a permanência do funcionário Lauro Avellar na sapataria. De acordo com Teresinha Maria Avellar Pereira, de 82 anos, o pai ingressou na loja aos 14 e lá trabalhou por 56 anos.
“Ele começou fazendo entregas. Como a Schettini fornecia para o Colégio Sion, era o meu pai quem levava os sapatos. Eu estudava na General Osório e ia na loja toda hora para dar um beijo no pai. Eu era o xodozinho”, afirma rindo.
Os famosos sapatos bicolores. Foto: Daniel Camara.
O aposentado Lauro José Avellar, de 73 anos, irmão de Teresinha, explica que tão tradicional quanto as mercadorias era a figura do pai na porta, simpático e comprometido.
“Logo depois que o senhor José Ferraro, que gerenciava a Schettini, morreu, foi a esposa dele, dona Nina, que passou a tocar o negócio, com o auxílio do meu pai. Ela é minha madrinha de crisma e nunca fez e nem precisou fazer liquidação na loja. O nome da casa vendia os sapatos”.
O carinho entre as famílias era inquestionável. A secretária Isabel Pereira Weinschutz, filha de Teresinha, lembra da surpresa que foi receber de dona Nina um bolo em comemoração à sua primeira comunhão. “A filha dela, Lilita, era doceira de primeira. Eu e minhas irmãs fomos pra igreja e, quando chegamos em casa, havia aquele baita bolo!”, exprime ela.
Também especiais eram o Natal e o aniversário de Isabel. Segundo ela, era nessas épocas que o avô lhe comprava sapatos da Schettini. “Meu avô era meu padrinho de batismo. Além de prestigiá-lo, as compras eram uma forma de ajudá-lo a ganhar comissão. Quando fiz 15 anos ganhei um bicolor e usei durante muito tempo. Fazia sucesso entre as amigas”.
Para o alto e avante
Na companhia de bons ventos, foi no fim do século XIX que a Sapataria Schettini lançou sua âncora e fez de Petrópolis seu barco fixo. A comerciante Cristina Ferraro, neta de dona Nina, explica que, no início, a fabricação dos calçados era feita manualmente numa espécie de oficina.
“Meu avô, João Ferraro, veio da Itália com o tio, Miguel Schettini, que foi quem fundou o negócio. Anos depois veio a minha avó, Giovannina Ferraro, mas ela ficou viúva muito cedo, na faixa dos 30 anos, com quatro filhos. Ela passou a gerenciar a Sapataria e foi quem fez o nome da loja que atingiu 100 anos, com ela ainda viva”.
Além da admiração que guarda pela figura da avó, Cristina preserva também um par de sapatos boneca em verniz da Schettini, usados por ela quando criança, e algumas lições. “Amo sapatos. Cresci no meio deles e se tem uma coisa que aprendi com minha tia Lilita é que é possível conhecer um homem pelo calçado. Se você parar para analisar vai ver que é verdade!”, ri Cristina.
Uma outra memória que a petropolitana zela com carinho é o tradicional cafezinho da Dona Nina das três horas. “Descia uma arrumadeira lá de casa, localizada em cima da loja, com uma bandeja: cafezinho, bolo que minha mãe e minha tia faziam, biscoitinhos. A sapataria virava uma sala de visitas para as amigas dela e clientes”.
E foi assim, encarando os caminhos trilhados com leveza, que a Sapataria Schettini fez de Petrópolis seu cais: um porto seguro para libertar-se das amarras, receber passageiros e seguir em frente.
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