Saudades
No silêncio da noite ou mesmo em dias mais sombrios pelos quais atravessamos, vimos percebendo que o nosso pensamento tem se voltado para pessoas muito especiais, mas que já deixaram estas paragens.
Amigos, parentes próximos, enfim seres com quem pudemos conviver e que somente nos proporcionaram momentos de intensa felicidade e alegria.
Partiram – é verdade – mas suas palavras, ensinamentos, exemplos e o carinho sempre a nós dispensados, permanecem em nossa mente sem que possamos esquecê-los.
Admitimos que muitos hão de pensar que “paramos no tempo” vivendo e sonhando do passado, esquecendo o presente. Não! Não é verdade tal assertiva!
Observamos, por outra vertente, que o mundo em que vivemos é extremamente diverso de épocas passadas – é bem verdade que longínquas – onde prevaleciam normas e regramentos atualmente renegados a planos secundários.
De modo especial, os mais vividos – para não os intitularem idosos – hão que compreender as questões que pretendemos retratá-las, uma vez que bem clarificadas nos dias presentes.
Daqui de nossa janela, já ao anoitecer, estamos a vislumbrar árvores, flores e pássaros que “o tempo” ainda está a lhes permitir que existam, ante o mal trato dispensado à natureza, vislumbrando, em nossa mente, por outro lado, as figuras de meu pai e minha mãe.
O primeiro sempre a “cantar” a poesia, os seus bem rimados versos.
De plano recordamo-nos do poema “Desventura” quando escreveu:
“Inda menino, quando a vida é pura,
quando esta tem o seu melhor encanto,
eu já sofria o meu primeiro pranto,
com a morte prematura de meu pai”.
E, assim, tangido pela desventura,
cheguei à adolescência, sem, no entanto,
ter suavizada a sorte má, que tanto
me perseguia, impiedosa e dura.
E de tal forma com a adversidade me confundi,
que se felicidade passou em meu caminho, eu não vi;
Nem sequer a senti, tanto que agora,
já no ocaso da vida, me devora
a saudade do tempo em que sofri!”.
Do livro que fizemos publicar, prefaciado pelo inesquecível professor e acadêmico Roberto Fransciso, ao relembrar o poeta, assim se expressa ao término de suas palavras:
“Quanto a nós, velhos amigos:
Vemos, no momento certo,
se, em nós, a lembrança teima;
saudade é qual sol de inverno,
pois nos aquece e não queima”
Todavia, no sentido de busquemos afastar nossos pensamentos e recordações noturnas, conforme deixamos assinalado no início deste texto, aproveitamos também para relembrar o pai/poeta e esposo amado, quando ao escrever trovas, assim o fez:
Para minha mãe:
Apaixonado…
“Tive tudo, nesta vida,
tudo, tudo quanto quis.
Sem você, porém, querida
jamais seria feliz”.
Para o pai, poeta Afonso Athayde de Guedes Vaz, denotando saudade…
“Quando meu pai, tu partiste,
ainda moço, desta vida,
foi que senti como é triste
e dói tanto a despedida”
Como cristão e paternal:
“É Natal…E, numa prece
a Jesus onipotente,
eu peço uma farta messe
de graças… pra toda gente”
E, ainda:
Se pra ferir-nos alguém,
o nosso filho ofendeu,
não se lembrou, se esqueceu
de quem tem filho também.”
Esta figura que nunca poderemos esquecer, juntamente com sua amada esposa, minha querida mãe, deixou-nos em 17 de junho de 1989, a mim parecendo me foi ontem…!
Entretanto, Osmar de Guedes Vaz já deixara escrito, em dezembro de 1977, inúmeras quadrinhas propugnando pelas boas amizades, pelo fazer o bem, além de muitas outras mensagens que sempre denotavam seu espírito envolvido com a bondade, o carinho e, em especial, com as amizades duradouras.
Em dezembro de 1977, publicou “No Epílogo da Vida”:
“Jamais tive receio de morrer,
nada a respeito desse triste evento,
já que entendo não ter por que temê-lo,
me preocupa, intimida ou martiriza:
Não me importa, também, meu pensamento,
para muitos, terrível pesadelo,
e que, um dia, na certa, há de ocorrer,
nem de longe, afinal, do extremo instante,
o irreversível acontecimento,
que já não me parece tão distante.
Tenho, porém, horror ao sofrimento,
que, embora, sem razão para merecê-lo,
pode estar, entre nós, sempre presente,
Nessa fase sombria, e algo imprecisa,
que precede, de forma rotineira,
O epílogo da vida, quando a gente
na penumbra de um quarto, e que divisa,
sob uma baça luz, bruxoleante,
quase a se extinguir: o espectro da morte,
num estranho e funéreo parâmetro,
que lhe envolve a figura sorrateira.
Por isso, eu peço a Deus a boa sorte,
de permitir a mim, em tal momento,
um doce e calmo fim, sem alarido.
Sem que haja desespero, um só gemido,
meu coração batendo ainda no peito,
alegre, venturoso, satisfeito,
pela certeza do dever cumprido.
Porquanto, o meu desejo mais ardente
é, um dia, morrer suavemente, tranquilo, sem remorsos, de mansinho,
assim, como se fosse um passarinho.”
Na verdade, o Pai Maior fez escutá-lo tendo partido o pai, o poeta, o esposo, o avô, assim “como se fosse um passarinho”, em 17 de junho de 1989.
A Deus pedimos que possa nos conceder a mesma graça, desde que merecedores da infinita bondade advinda das Alturas.