Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?

11/mar 08:52
Por Vanisa Moret Santos

“O que se quer de uma mulher coincide com o que ela quer?”

Em função das comemorações do Dia Internacional das Mulheres, comemorado em 08 de março, vou apresentar para vocês um pequeno recorte de um artigo que escrevi sobre a pergunta que proponho como título.

Após lerem este artigo, sugiro que assistam ao filme “Pobres Criaturas” (2023) com direção de Yorgos Lanthimos e “Anatomia de uma queda” (2023), dirigido por Justine Triet. Tentem fazer alguma possível conexão com a questão que proponho: “O que se quer de uma mulher coincide com o que ela quer?”. Como a sociedade tem posicionado frente ao desejo das mulheres e como lidam com seus corpos?

Ao longo dos tempos, as mulheres têm exercido um protagonismo social que as tem relegado à condição de cuidadora, mãe, santa, eterna serviçal, a professorinha primária meiga e dócil, sempre supostamente disposta a servir e a cuidar do outro. As que se rebelam, são consideradas insanas, indignas, ou ainda, “mulheres da vida”. Não por acaso as profissões pelas quais tentam associar a capacidade de trabalho das mulheres têm sido aquelas em que as características como cuidadoras dos outros e de assuntos domésticos são notórias. Trabalhos considerados, inclusive, sem muito valor, principalmente o econômico. Trata-se de uma desvalorização histórica. Assumem-se que tais funções sejam “naturais” às mulheres, relacionando tais atividades a um suposto desejo inato de casar e ter filhos. Também faz parte do senso comum afirmar que toda mulher tem um “instinto materno” como se não pudéssemos desejar mais nada que não fosse procriar e cuidar.

Em seu livro, Mal-estar na maternidade: do infanticídio à função materna (IACONELLI, 2020), Vera Iaconelli ressalta que há uma expectativa equivocada de que a mulher detém um saber natural e espontâneo sobre os cuidados com o bebê, além do fato de que a maternidade, assim como a função materna, seriam uma espécie de “escolha” natural de toda mulher. Iaconelli assinala que, “Nossa questão recai sobre a forma ideológica com que essas supostas escolhas ocorrem.” (IACONELLI, 2020, p. 62). Ou seja, não há como generalizar tal escolha sem levar em consideração a história singular de cada mulher, ou ainda, sem considerar como as ideologias imperantes em seu tempo e lugar a influenciam.

Desde os “Estudos sobre a histeria” (1893-1895) até “Análise terminável e interminável” (1937), Freud tentou construir uma resposta para o enigma sobre o desejo feminino. Embora suas construções teóricas em torno do tema parecessem fazer algum sentido dentro da cultura à que ele estava submetido, elas geraram uma série de conflitos e questionamentos. Freud vinha tentando ampliar sua visada sobre suas ideias aparentemente preconceituosas, mas, mesmo não sendo ele mesmo um sujeito machista, enfrentava severas críticas de suas colegas psicanalistas. Constantemente desafiado por sua própria clínica com as mulheres ele se perguntava “o que quer uma mulher?” Ficava cada vez mais nítido que havia certa insuficiência das respostas dadas até então sobre o tema do desejo da mulheres.  

Freud era certamente influenciado pelo estilo de vida da sociedade burguesa do início do século XX, mas nunca se conformou com suas próprias respostas e por isso foi abrindo espaço para novas construções, como podemos constatar na Conferência XXXIII sobre a “Feminilidade” (FREUD,1933[1932]). É justamente a partir dessa Conferência, que Freud faz uma série de retificações sobre o que desenvolvera anteriormente. E foram muitos avanços desde então. Por isso não é possível, que, depois de tantos anos e de tantos esclarecimentos e avanços históricos, ainda hoje, em pleno século XXI, as mulheres continuem sendo aviltadas, abusadas, mortas, perseguidas e destituídas de seu valor como sujeitos de direito. Isso só é possível porque ainda há um sistema sórdido de valores patriarcais vigentes em nossa cultura. Ainda hoje, vemos as próprias mulheres replicando o modelo de suas mães e avós, evitando que seus filhos homens se ocupem das tarefas de casa sob a alegação de que isso é ‘coisa de mulher’.

A figura da mulher superpoderosa e guerreira, que dá conta de tudo continua sendo muito valorizada pela mídia e por certas religiões, mas nós já sabemos que isso é pura cilada. “Não me chame de guerreira! Trabalhe fora, chegue exausta em casa, cozinhe, vá lavar a louça, coloque as roupas na máquina e depois arrume um tempo para estudar com os filhos!”, foi o que uma analisante falou para a tia do marido que, cinicamente a elogiou, chamando-a de “guerreira”.

Há ainda mulheres que são tratadas como propriedades de seus maridos. A tentativa de dominação dos corpos femininos é explícita. Uma analisante adolescente relata horrorizada que a funcionária da sua casa chegou ao trabalho com o braço roxo porque o marido a espancou no dia anterior por ter usado uma minissaia. Em seguida, faz uma série de associações com a violência doméstica que uma tia sua vem sofrendo, mas, mesmo assim, ninguém faz nada. O machismo estrutural vale-se de um cinismo constrangedor e, por isso, vai se apropriando dos corpos e mentes dessas mulheres. E o pior, com o consentimento das próprias famílias que fingem nada ver.  O assunto é tão sério que, mesmo tendo consciência disso tudo, muitas mulheres não conseguem se libertar de suas amarras, repassado essa sina entre gerações. O preço que pagam por se acovardarem é se sentirem eternamente deprimidas. É assim que muitas delas chegam a nós.

Em breve, falaremos mais sobre o assunto. Por ora, compartilho um de meus posts sobre o tema.

Últimas