Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?
Desabafo
“Guarde seu desabafo para si ou vá fazer análise”, disse uma analisante ao comentar uma publicação de uma amiga no “insta” depois que ambas se desentenderam. Evidentemente, o tema da sessão foi se desenrolando em torno de suas questões narcísicas e como isso se relaciona com temas que apontam para o seu próprio desejo. Aliás, é importante saber como esse desejo de reconhecimento pelo outro se expressa através de suas escolhas, inclusive das próprias amizades.
Refletindo sobre esse desvelamento das intimidades como um fenômeno das redes sociais, chego a concordar com a ideia de que as mídias sociais viraram uma espécie de reduto narcísico dos que não se tratam, ou, se o fazem, não conseguiram ainda avançar nas próprias análises pessoais.
Dizer “tudo o que pensa” é a regra para que uma análise aconteça em um dispositivo individualizado em que o sujeito endereça sua fala a um/a analista que, em certos momentos, faz intervenções precisas, como pontuações, questionamentos e cortes. Ou seja, há um convite à reflexão sobre a implicação do sujeito naquilo de que se queixa. Isso não acontece quando se postam textos ou vídeos de endereçamento a uma pessoa ou a um grupo de pessoas. O reconhecimento e aprovação que se buscam, muitas vezes, vêm atravessados por comentários-padrão que funcionam como disfarces para uma indiferença, críticas e até xingamentos.
Um texto cheio de palavras de revolta contra a “podridão” da humanidade pode soar agressivo e desagradável e até causar certo desinteresse no tema, mesmo que o protesto seja pertinente e a crítica relevante. Ajustar as palavras sem perder o propósito da seriedade do texto é como preparar a lança para atingir o alvo. Se pesar a mão, as palavras não cumprirão sua missão de flecha. No mundo virtual, o discurso de ódio faz mais barulho, mas provoca engajamentos flácidos, uma vez que não produz reais mudanças internas.
Se estiver com ódio, ressentimento ou tristeza, é melhor falar sobre o que causou esses sentimentos com um profissional “psi” ou até com amigos íntimos, mas se não tiver essas opções, escrever tais pensamentos em um caderno pode liberar um pouco da angústia, embora não resolva os problemas a ela associados. É preciso falar, ser escutado, elaborar seus sentimentos, mudar sua visão sobre si em relação ao mundo e sobre como você colabora para manter o estado de coisas ao seu redor.
Ninguém deve aturar o insuportável. A palavra mais abominável e falaciosa da moda hoje em dia é a tal “resiliência”. Cuidado com o discurso que estimula a ideia de que se deve ser super poderoso/a. Cabe a cada um identificar seus próprios limites e deixar de acreditar que vai mudar o outro por conta de sua revolta ou de suas palavras, sejam elas de condescendência e lucidez, sejam de ódio e intolerância.
Se uma situação está ruim, caberá ao sujeito dar seu jeito de mudar. Uma mudança, de fato, não é algo fácil de realizar. A psicanálise tenta fazer o sujeito se haver com suas crises e conflitos, evidenciando que cabe a ele ou a ela a decisão de se manter nessas situações previamente percebidas como ruins e abusivas. Se o sujeito insiste em se manter nesse tipo de situação desfavorável é porque algum ganho secundário ele ou ela está tendo. A isso chamamos de gozo. Trata-se de uma satisfação pulsional masoquista que encapsula o desejo de bem viver em uma trama de repetições de cenas em que o sujeito sofre, mas, mesmo assim, extrai desse sofrimento algum tipo de prazer. Levar o sujeito a rever tais cenas é confronta-lo com sua ética, pois o sujeito deve se questionar se “está vivendo com alguma alegria possível ou apenas administrando o caos“, como escutamos na clínica. É verdade que a vida não é só boa e que não há uma relação de perfeita complementariedade entre as pessoas, mas, certamente, deveria haver alegrias possíveis em meio aos momentos difíceis ao longo de uma travessia. No entanto, se o peso da caminhada pende só para o sofrimento, está na hora de rever o que leva na bagagem e deixar no caminho algumas coisas que dificultam seu caminhar. Só reclamar não adianta.
Postar textos ou fazer lives nas redes sociais não substitui um tratamento terapêutico pela fala. Afinal, somos d’efeitos de linguagem e só através dela podemos mudar o curso de nossas vidas e imprimir novas ações.
Antes de publicar um texto ou um vídeo de revolta direcionado a uma pessoa ou a um grupo de pessoas, faça uma análise de sua motivação. Dependendo da relevância política da causa, publique, mas se for apenas um desabafo, reflita: “Pra quê?”.
Por: Vanisa Moret Santos
Instagram: @vanisamoretsantos