Seja previdente, mas relaxe
Atitudes. “Deixa a vida me levar” versus “eu comando minha vida”. Folha ao vento x capitão do universo. Na verdade, o ideal não é nem uma coisa nem outra. Não se deve deixar os dias correrem sem cautelas contra ventos incertos, nem imaginar que os acontecimentos da vida são recrutas de quartel que você comanda matematicamente. É correto planejar, se antecipar, prever, preparar-se. Controlar o que for possível. Mas se isso vira obsessão férrea, a ponto de querer dominar todos os aspectos de relacionamentos, monitorar até as etapas de tarefa que não lhe cabe, imaginar ser responsável pela felicidade geral e irrestrita da família toda, isso pode ser fonte de inesgotável angústia e muita infelicidade. Porque muitas coisas darão errado.
Da sempre frustrada avidez por controle nascem crises de insônia, ansiedade e até depressão que assolam nossos tempos. É impossível controlar tudo, servir a todos e ter tudo e todos sob domínio. Ninguém tem tamanhos poderes. Você planta um jardim. Mas não comanda os ciclos do clima, que tanto influenciam o sucesso da empreitada. Você investe na Bolsa de Valores. Mas não controla as oscilações do mercado. Você direciona bons rumos na vida dos filhos. Mas, quando adultos, surpresas virão nas escolhas deles, consequências imprevistas de atitudes passadas, e você não pode fazer quase nada. A não ser entregar a Deus e ajudar a reduzir os danos.
As incertezas que impedem o controle total de qualquer vida já são verdade desde sempre. Mas em tempos atuais, a insegurança parece uma regra. O mundo anda imprevisível e assustador. As chuvas deste verão sombrio colocam como pauta implacável as cruéis consequências do aquecimento global. Estudo revelou que, no Brasil dos anos 1960, chuvas de 3 dígitos (mais de 100mm) eram raras. Duas ocorrências somente, em toda a década. Agora estão se tornando comuns. Quatorze ocorrências na atual década. E com viés de alta. Daí, por exemplo, casas a duras penas construídas, comemoradas como próprias, tristemente se tornam destroços de enxurradas. O corona vírus, com seus efeitos devastadores, assombra o mundo. Fazendo lembrar que existem, à espreita, meio milhão de tipos de vírus, esses predadores de células. E a avidez do surto a todos espanta e amedronta. Daí uma pessoa de férrea saúde pode se tornar uma vítima indefesa da ameaça invisível.
Então é importante ser responsável e não largar a vida às encostas de morros frágeis ou às áreas de risco de vírus. Mas é talvez até mais urgente ter ciência de que há imprevisibilidade e surpresas, sejam chuvas, vírus ou inesperados abismos. Você deve fazer a tua parte na conscientização sobre o aquecimento global, na educação para prevenção de contágios, mas não pode impedir a crise na China, as tragédias em Minas, ou tristezas que outros sofrem por escolhas que fizeram. Então, relaxe. Epicteto: “Das coisas existentes, algumas são encargos nossos, outras não”. Jesus Cristo: “A cada dia o seu mal”. O que você pode controlar, de verdade, é sua maneira de ver as coisas. Cada imprevisto pode ser derrota implacável, uma porta para a depressão, se você é controlador compulsivo. Mas cada imprevisto pode ser oportunidade de criatividade, resiliência e crescimento, se você aceita que a vida tem contradições e surpresas que você não domina. Seja previdente, mas relaxe. Não é tua função resolver o universo. Se você tentar ser feliz, já ajuda bastante a melhorar o mundo.