Sem aval de Lula, Lewandowski quer incluir ‘SUS da Segurança Pública’ na Constituição

20/maio 21:24
Por Samuel Lima / Estadão

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, defendeu a inclusão de um Sistema Único de Segurança Pública na Constituição e a criação de um fundo nacional para bancar as ações do setor. Lewandowski participou, nesta segunda-feira, 20, de na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Ele, no entanto, ressaltou que conversou apenas “em linhas gerais” sobre o modelo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que não há previsão de quando o projeto será apresentado ao Congresso.

“Essa ideia ainda não foi apresentada de forma detalhada ao presidente da República. Houve uma primeira conversa apenas, e os órgãos técnicos estão trabalhando. Eu, pessoalmente, estou empenhado em apresentar, se for o caso, se o presidente decidir com relação a isso, uma proposta menos controvertida possível ao Congresso Nacional e que angarie o maior número de apoios”, declarou o ministro.

“Não há prazo. Numa questão tão importante e relevante como essa, é preciso reunir o mínimo de consenso. O presidente da República decidirá sobre a conveniência e oportunidade dessa matéria”, completou Lewandowski.

A proposta do ministro é inserir na Constituição estrutura semelhante ao Sistema Único de Saúde (SUS), de modo a garantir verba própria com emprego compulsório na área da segurança pública. O modelo ampliaria os poderes da União sobre o tema, ao possibilitar que sejam estabelecidas diretrizes gerais a serem seguidas pelos Estados, mantendo a competência concorrente para que eles legislem com base nas peculiaridades locais. Apesar disso, Lewandowski fez questão de dizer no evento que “não se trata de impor” nada aos governos locais.

O ministro diz que já está conversando com algumas lideranças do Congresso sobre o tema e com governadores. “Eles não perderão autonomia no que diz respeito à segurança pública. O que nós entendemos é que precisamos ter, por parte da União, algumas diretrizes gerais que possam ser atendidas pelos entes federados, incluídos os municípios, até para que as verbas federais possam ser alocadas para atingir um objetivo comum”, disse. “Acho que, com relação a isso, não haverá nenhuma resistência dos governadores e dos prefeitos porque eles manterão o comando das suas polícias militares, civis e guardas municipais.”

Sistema atual é limitado

O Sistema Único da Segurança Pública (SUSP) está previsto em uma lei ordinária, sancionada em 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, o anfitrião do evento na Fiesp. Apesar de a norma prever colaboração, estratégias integradas, operações conjuntas, compartilhamento de dados e de estruturas federais, estaduais e municipais, especialistas apontam limitações práticas no modelo atual, porque um plano comum não faz parte da rotina das elites decisórias e não houve uma centralização efetiva dos esforços.

Para Lewandowski, o encontro com representantes da indústria paulista é uma forma de “aferir a receptividade” da iniciativa. Na conversa, repetiu os argumentos levados a painel com empresários em São Paulo, há cerca de um mês, de que a legislação atual que trata do combate ao crime, sobretudo o crime organizado, está desatualizada. “Os grandes crimes, hoje, são cometidos pela internet: as grandes fraudes bancárias, o tráfico de armas, de pessoas e de drogas, os crimes cibernéticos, a pedofilia, tudo isso transita no mundo virtual.”

O ministro citou a possibilidade de se criar uma Polícia Ferroviária, que está prevista na Constituição, mas nunca saiu do papel. Ele disse que seria “muito importante” o governo atuar de forma especializada nesse campo, em razão de mercadorias ilícitas estarem sendo transportadas em trens, e que isso poderia ser feito tanto criando uma nova corporação quanto ampliando as atribuições da Polícia Rodoviária Federal.

Indagado por um dos presentes, no entanto, Lewandowski se mostrou contrário a modificar as competências atuais das guardas municipais, alegando que elas poderiam acabar concorrendo com as outras forças. Ele também não quis entrar em detalhes sobre a controvérsia entre a Polícia Militar e Civil de São Paulo após plano do governo do Estado de aumentar o poder da primeira em detrimento da segunda. “Não compete, evidentemente, à União arbitrar qualquer controvérsia que exista entre as polícias locais. O que nós queremos é criar canais de comunicação mediante os quais as diversas forças de segurança possam ter uma interlocução.”

Lewandowski mencionou ainda a necessidade de concluir o plano de intervenção no sistema prisional brasileiro, cujo prazo definido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) encerra no dia 8 de julho. A criação de um fundo nacional de segurança pública, segundo ele, deve contemplar a modernização dos presídios para reverter o seu “estado inconstitucional de coisas” por fatores como a superlotação e a quantidade de detenções provisórias.

Apoio da indústria paulista

A proposta de Lewandowski, ao menos neste primeiro momento, foi bem recebida pelos presentes. A Fiesp destacou dados de um estudo próprio que estimou prejuízo anual superior a R$ 453 bilhões em todo o Brasil devido a atividades ilícitas como contrabando, pirataria, roubo, concorrência desleal por fraude fiscal, sonegação de impostos e furtos. Carlos Erane de Aguiar, diretor do departamento de segurança da entidade, afirmou que a criminalidade traz impactos na arredacação de impostos, afeta a demanda do mercado e deixa milhares de empregos pelo caminho.

Michel Temer, que é presidente do Conselho Superior de Estudos Nacionais e Política da Fiesp e recebeu afagos por ter sido o governo a implementar o modelo em lei ordinária, considerou a proposta como “fundamental” para avançar em um cenário em que há “vários esquemas de segurança pública” diferentes espalhados pelo País. “Constitucionalizar significa retirar do plano ordinário para o estrutural. Cada Estado tem as suas tarefas, mas a União, sem dúvidas, tem que coordenar esse trabalho”, disse.

Últimas