Sensualidade, erotismo e pornografia

01/03/2020 12:00

Hesitei na escolha do título deste texto: primeiro, pensei em “luxúria e profanação”, depois veio à mente “amor e obscenidade”. Essa hesitação ocorreu diante do pouco que vi, nos noticiários, sobre o carnaval deste ano. 

Para introduzir esse assunto, pensei em mencionar o comportamento luxurioso que existia na Antiga Grécia e em Roma, no período antes de Cristo. Iniciaria, portanto, pelas referências mitológicas, das reverências a Dioniso e a Baco. Deste, veio o termo feminino “bacanal”, a festa em adoração a esse deus romano. Na mitologia grega, encontram-se as festas dionisíacas em que o prazer, regado a vinho, era cultuado. Mas para não ir tão longe, pensei em começar com um trecho da carta de Pero Vaz de Caminha, escrita no início da colonização do país, pois retrata bem o choque cultural dos portugueses com a população nativa: 

“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metemnos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.” 

Por esse trecho, é possível perceber que o nu não era problema, não recebia a conotação da imoralidade inserida na cultura dos colonizadores. Por ele, também é possível deduzir que o uso do piercing não é novidade. 

Hoje caminhamos para completar 520 anos do início do processo de colonização do Brasil, responsável pela mudança de hábitos do povo considerado primitivo. Mas ele não tratava o nu com obscenidade. Nesse último carnaval, deu para perceber que a sensualidade ficou na saudade, o Eros platônico foi violentado pela pornografia. Parece “coisa do passado” a escalada do amor (scala amoris), ou seja, os estágios de um relacionamento amoroso. 

As comparações são inevitáveis, quem ouviu canções de carnavais passados percebe a queda na qualidade das letras das músicas. Mas o que vi, em abundância, foi o uso da região glútea como órgão performático, usado como instrumento de trabalho. Alguns artistas colocam a performance em primeiro plano. Em planos secundários, a letra das canções e a qualidade da melodia. Byung-Chul Han, em “Sociedade da Transparência”, afirmou: 

“O capitalismo acentua a pornografização da sociedade, expondo tudo como mercadoria e votando-o à hipervisibilidade. O que se busca é a otimização do valor expositivo, sendo que o capitalismo não conhece nenhum outro uso da sexualidade.” 

A Colombina está com pouca roupa e preocupada, porque o Pierrot e o Arlequim estão “noutra vibe”. A exposição do corpo como mercadoria fez com que as vestes dos carnavais diminuíssem. O nu é explorado comercialmente. A ânsia de ter mais visualizações nas redes sociais descambou na pornografia. É raro encontrar a sutileza da sensualidade e a delicadeza inerente à sedução. A agressividade do assédio está no desrespeito à privacidade, na inconsequência de colocar o desejo sexual acima do vínculo afetivo. O corpo é mais desejado do que o ser. Tornou-se mais um objeto de consumo, uma mercadoria exposta, depreciada. Mas, esteja certo(a) de que só o amor traz a felicidade por não ser descartável.

 

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