Serviço de utilidade pública

01/03/2017 12:00

A cada dia, certifico-me que a crônica presta um serviço de utilidade pública, além de entreter o leitor com reflexões sobre fatos que saltam nas manchetes dos jornais e provocam comentários que são ventilados nos balcões das padarias nas conversas entre amigos, enquanto tomam um café.

Comecei a escrever sem compromisso. Mas hoje me sinto comprometido com os leitores. Agradeço o tempo dedicado à leitura dos meus textos. Porém acho que são os percalços do dia a dia que nos unem. 

O caminhar juntos só é possível de mãos dadas. Assim seguimos com a certeza de que não estamos sozinhos. Isso nos traz a responsabilidade refletida na confiança mútua. A corrente de forças fraternas mantidas na mesma direção alimenta a esperança da vitória: foi esse sentimento que me tocou quando li o e-mail de uma amiga, solicitando um espaço para externar a sua indignação e de vários passageiros de uma linha de ônibus que faz o trajeto do bairro Quitandinha ao Centro (via Alto da Serra), saindo da Rua Rio de Janeiro:

 No dia 10/02, por voltas das 17:00 horas, em um ponto de ônibus próximo à Praça Pasteur, um cadeirante fez sinal ao lado de outras pessoas sem problemas com a acessibilidade. O ônibus parou, os passageiros subiram, mas o cadeirante ficou. A amiga escreveu: 

“Inacreditavelmente a chave que o trocador tinha em mãos não fez a escada funcionar. Ficamos todos revoltados com o descaso e com a falta de respeito para com o cidadão. Parece que isso é normal. Como um ônibus pode rodar sem a chave correta da escada?”

No final do citado e-mail, ela disse: “Desculpe incomodá-lo, mas foi o único jeito que encontrei de colocar isso à mostra.”

Conversamos pessoalmente poucas vezes.  Mas considero-a como uma amiga, pois já algum tempo, lê os textos que publico. É filha de uma senhora de 91 anos que também assiduamente lê as nossas crônicas. 

O vínculo pela comunhão de ideias, a identidade de pensamentos nos dá coragem e fortalece o compromisso que temos pela realidade que vivemos. A dor do outro faz surgir o sentimento de solidariedade que há dentro de nós.

Outra amiga, que também depende da condução coletiva, falou-me da dificuldade de sair de casa no horário que coincide com entrada e saída dos estudantes das escolas.  Disse-me: 

“Nesses horários, os alunos lotam os ônibus, ocupam os lugares reservados aos idosos, ligam celulares e não cedem os lugares nem para as mulheres grávidas.”

 Ela falou isso em tom nostálgico, com saudade do cavalheirismo de outrora, época em que os homens eram mais gentis com as senhoras e senhoritas. Faziam questão de ceder o lugar para elas. 

Eu continuo com esse hábito, embora tenha passado por uma situação que me deixou sem graça: 

Uma vez, no Rio de Janeiro, no ônibus 128 – Rodoviária-Leblon, que passa por Copacabana, sentado no banco do lado do corretor, levantei e cedi o lugar para uma senhora mais nova do que eu, que embarcara em Botafogo. Ela agradeceu, não quis sentar. Em pé ao meu lado, indagou: 

– Por que o senhor quer me dar o seu lugar?  

 – A senhora não está grávida?!

 – Não.

Eu quis ser gentil; não, indelicado. Fiquei sem jeito. Abri minha bolsa, peguei um livro, mas não consegui ler. Fiquei pensando no que poderiam imaginar os outros passageiros a meu respeito: 

– Esse coroa sentado com uma senhora grávida em pé ao lado! – A barriga dela parecia gravidez de seis meses. Depois do túnel, próximo ao ponto em que iria saltar, puxei a campainha. Desci aliviado, nem olhei para trás. Não vi se ela sentou no lugar que ficou vago.




 


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