Simplicissimamente
O tempo aprimora o gosto pelo simples. O despojamento ocorre à media em que se tem a certeza de que a essência suplanta a aparência quando se valoriza a beleza interior. E aqui cabe lembrar a conhecida frase do livro “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry: “o essencial é invisível aos olhos”. E, no diálogo do principezinho com a raposa, há outra frase que merece destaque: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.
Não sei dizer quantas vezes já pronunciei e escrevi tais frases no período em que não havia internet e ainda se namorava por carta, mesmo em anos considerados “rebeldes”.
Confesso que, até hoje, sinto-me privilegiado pelas oportunidades que tive em dialogar, no Mosteiro de São Bento, com Dom Estevão Bettencourt e Dom Marcos Barbosa, entre outros que seguem a Ordem Beneditina. Dom Marcos foi quem primeiro traduziu “O Pequeno Príncipe” no Brasil. Dom Estevão coordenava o grupo de oblatos e oblatas do Mosteiro, responsáveis por um trabalho de orientação dos jovens. A minha admiração por eles aumentou na fase adulta: – como monges tão atarefados ainda tinham tempo e paciência para ouvir indagações de jovens cheios de conflitos existenciais? – Eu não era o único a incomodá-los. Essa gratidão é extensiva aos amigos e amigas que, apesar de convicções ideológicas opostas, ainda preservamos uma amizade que atravessa décadas.
O saudosismo não me causa nenhum incômodo. Às vezes, fico assim mergulhando no passado para respirar lembranças que fortalecem valores que não podem ficar esquecidos. Não me canso de dizer que os amigos fazem parte do tesouro que carrego no peito. Tenho muito cuidado para que as divergências políticas não venham criar transtornos.
Mas, como estava falando, o tempo desenverniza, expõe a face da realidade. O supérfluo não resiste às ações dele. Por isso que as paixões ficam pelo meio do caminho e o amor segue na busca da eternidade. Mesmo nos anos tidos como “rebeldes”, em que a desesperança era alimentada pela liberdade restrita, garotas colecionavam papéis de cartas, para um dia, se possível, revelar um sentimento amoroso.
Versos de Vinícius de Moraes com pétalas de flores desidratadas eram usados como instrumentos de sedução. Nesse período, as rosas falavam em melodias poéticas. As declarações afetivas viajavam em correspondência repletas de amor platônico. Em síntese, havia uma conquista pela ternura. Já houve um tempo de amizades coloridas…
Consigo entender o que, na pós-modernidade, passou a ser denominado de “tempos líquidos”, pela escassez do engajamento mútuo em busca de um relacionamento sólido que possa encarar as adversidades do dia a dia em um ambiente chamado lar. Mas não concordo com as regras desse jogo das relações descartáveis. As publicidades das separações matrimoniais, principalmente das “celebridades”, viralizam em redes sociais. Parece que há interesse na propagação do efêmero, do “amor líquido” como bem definiu Zygmunt Bauman, diante da fragilidade dos laços humanos na contemporaneidade. E, para ilustrar o pensamento desse filósofo polonês, transcrevo os versos de uma canção de Lulu Santos com o título “Apenas mais uma de amor”:
“Eu gosto tanto de você/ que até prefiro esconder./ Deixo assim, ficar subentendido/ como uma ideia que existe na cabeça, e não/ tem a menor obrigação de acontecer.”
Na quarta-feira passada (04/10), dia dedicado a São Francisco de Assis, fui convidado para participar de uma missa, às 17:30, em uma linda capela. Nesse dia, os problemas vieram me visitar em caravana e trouxeram agregados. Mas pedi que esperassem um pouco. Depois de ouvir pelas palavras de exaltação à simplicidade, à humildade de São Francisco, já estava me sentido com as baterias recarregadas para encarar a labuta de uma semana tão pesada. Porém ao final da missa, eu e Marta fomos convidados para um lanchinho em comemoração ao Dia de São Francisco. Aceitamos o convite. O lanche estava ótimo, mas o que me comoveu foi a troca de presentes: sabíamos o que iríamos receber. Mas ninguém pegou um para si. Cada um pegou um presente para dar ao outro fraternalmente. São Francisco estava ali, lindo! Como um presépio em dia de Natal.
Nessa Congregação Franciscana, a simplicidade, o acolhimento, o amparo estão nas raízes do carisma. E aqui recorro às palavras da Irmã Maria Aparecida Santana de Souza, que se encontram no livro “Amparo: Continuidade e Descontinuidade de um Carisma Fundacional”:
“O que faz continuar um carisma é a fidelidade a Jesus e seu Evangelho, caracterizada no assumir, autenticamente, a identidade fundacional no cuidado com os empobrecidos e vulneráveis da humanidade.”
– A vitória sempre será do Amor Eterno.