Sobre o conceito de dívida histórica

30/08/2018 12:25

Discorre-se muito sobre o conceito de dívida histórica atualmente. O fato, porém, é que, afora a retórica “politicamente correta”, dívida histórica é algo tão vago que a sua aplicabilidade se torna ineficaz ou mesmo injusta. Não faz nenhum sentido afirmar que a população atual deve resgatar as injustiças cometidas pelas populações do passado. Há um claro anacronismo em se julgar o passado com o olhar e os valores do presente. Quem definiria, hoje, retroativamente, o que foi a dívida e qual o seu montante a ser ressarcido? Ademais, não deveria haver crime sem uma lei que o definisse, na ocasião em que foi cometido.

Ainda que fosse possível definir e quantificar com exatidão a dívida, e mesmo que pudéssemos ignorar a questão do anacronismo histórico, como definir quais seriam os credores e quais seriam os devedores de um débito acumulado, durante séculos? Com certeza, atualmente, os credores não estão mais vivos, para reivindicar, e nem os devedores, para efetuarem o pagamento. Não faz sentido cobrar de alguém, no presente, a dívida contraída por outra pessoa, no passado. Sobretudo, quando um mesmo indivíduo, hoje em dia, pode ser descendente, concomitantemente, de credores e de devedores dessa dívida.

A escravidão colonial, no Brasil, costuma ser citada como uma dívida histórica contraída pelos colonos europeus com os escravos africanos. Vale a pena ressaltar que africanos já escravizavam outros africanos, bem antes de os europeus fazerem do tráfico de escravos um negócio lucrativo. Mesmo não se levando isso em conta, no entanto, como separar, na atualidade, credores e devedores, visto que nós, brasileiros, somos resultados da miscigenação entre diversos povos e, muitos de nós, somos descendentes, tanto de africanos e indígenas, quanto de europeus e de outros povos? Ou seja, muitos de nós somos descendentes dos escravos e dos senhores de escravos. 

A história está cheia de exemplos de barbaridades que seres humanos cometeram uns contra os outros, ao longo da história. Ao se levar o conceito de dívida histórica ao extremo, constata-se o seu absurdo. Não há a possibilidade de contabilizarmos e de pagarmos (ou cobrarmos) todas as dívidas do passado. Ou seremos seletivos e incoerentes? Quem escolherá quais dívidas deverão ser cobradas e quais não? Nesse sentido, dívida histórica não é dívida e nem é história. É puro sofisma, de quem prefere reclamar do passado, em vez de viver o presente e construir o próprio futuro.

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