21/jul 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

A gratidão exige reciprocidade, pois o querer agradecer impulsiona o desejo de retribuir bem o bem que recebemos, porque ela vai além do “muito obrigado”. Nela, há um reconhecimento profundo que humildifica.

Não há gratidão dissociada da humildade. Não se trata apenas da gentileza pela gentileza, a cordialidade pela cordialidade. É um estágio mais profundo que reflete até no nosso metabolismo. Esses reflexos são perceptíveis pelo nosso sistema nervoso parassimpático (SNP), favorecendo a diminuição da ansiedade, do estresse, contribuindo para o nosso bem-estar. Uma consciência tranquila, a satisfação de praticar o bem contribuem para um sono tranquilo. Indubitavelmente, “maior felicidade é dar do que receber” (At 20,35).

A solicitude hoje passou a ser algo raro, principalmente entre as pessoas que acham que o mundo é divido entre “malandros” e “otários”. Existem os que só agem com o interesse de ser beneficiado em tudo. Existem também os que são vítimas dos golpes praticados pelos que ludibriam em função de favorecimento próprio. Contudo, ninguém veio ao mundo para enganar, nem para ser enganado. O sentido da vida também é um processo de construção, também depende dos calos das nossas mãos. Por isso que o “fazer o bem” está relacionado à intencionalidade expressa nas nossas ações.

“Onde houver ódio que eu leve o amor”, esse verso da canção de São Francisco consiste em uma atitude sedimentada em um propósito desvinculada do egocentrismo. Apesar de tudo, amar. Amar, apesar de tudo. A superação não vem sem a perseverança. Esta não pode estar desvinculada da esperança. E esta, por sua vez, não pode faltar na construção de um sonho. O amanhã também depende nas nossas atitudes no hoje.

Eis um enorme desafio: “amai os vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei o bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? ” (Mt 5, 44 – 47).

Não há dúvida que o “con-viver” é um desafio. Mas não pode se tornar um martírio. Contudo, todo relacionamento em que não há amor tende ao fracasso. Como não somos perfeitos, o perdão é imprescindível em qualquer forma de convivência, seja no âmbito profissional, seja no âmbito conjugal, seja no relacionamento familiar. Para alguns, perdoar o outro se torna mais fácil do que perdoar a si mesmo. Precisamos aprender a dessozinhar. Isso só é possível pelo amor, pela ternura…

Ainda tenho como base o pensamento popular do “fazer o bem sem olhar a quem,” pois quebra  a lógica dos relacionamentos fundamentados no “custo-benefício”, ou seja, o dar pensando no que vai receber em troca. “De graça recebestes, de graça deveis dar” (Mt, 10, 8).

Ouvimos muito a seguinte frase: “dar o meu melhor”. Pela transitividade do ver “dar”, vêm as perguntas “o quê?”,  “a quem?” E qual é o limite da doação? Dar-se por inteiro ou por metade? E aqui cabe lembrar os versos de Fernando Pessoa:

“Para ser grande, sê inteiro: nada / teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / no mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / brilha, porque alta vive. ”

A intensidade do amor é determinante na entrega. Por isso que a solicitude viabiliza as relações em que a gratidão torna-se imprescindível. Mas isso, só é possível com a remoção do egoísmo para que a humildade sirva de húmus no cultivo da empatia. E assim seja edificada a paz na terra.

Testemunhando o trabalho das irmãs franciscanas da Congregação de Nossa Senhora do Amparo, certifiquei-me de que a solicitude, que a linguagem do carinho inerente à ternura são elementos imprescindíveis no amparo dos carenciados.

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