Steve Albini, o simpático e rabugento, foi além de ser produtor lendário do Nirvana

08/maio 22:08
Por Pedro Antunes / Estadão

Steve Albini, morto aos 61 anos, vítima de um ataque cardíaco, era verborrágico quando interessava, de opiniões imutáveis. Também ficava intencionalmente quieto, como se deixasse o interlocutor nervoso, com um silêncio que pesava toneladas.

A fama de resmungão, mas também de ser um sujeito de bom coração com as bandas novas, fizeram dele um dos pais do rock pesado moderno.

Quem ama Pixies, Nirvana, PJ Harvey, The Breeders, e os dissidentes, de gerações posteriores, deve a estética das guitarras arrasadoras, altas a ponto de parecer gastar o tímpano, ao estilo de Albini.

Entre suas manias, ele detestava ser chamado de produtor, preferia ser tratado como “engenheiro de som”. Que assim seja: Steve Albini era muito mais do que produtor do Nirvana, Pixies e essa turma toda. Faz sentido. Albini não era arbitrário nas suas interações em estúdio, mas ele tinha um estilo próprio: quem o procurava para trabalhar sabia o que encontraria.

Foi por isso que Kurt Cobain buscou Albini para produzir o terceiro álbum da carreira do Nirvana. Depois de estourar com o segundo trabalho, Nevermind, e se tornar a banda punk mais popular do mundo, parte de Kurt queria voltar às raízes cruas, ruidosas e entorpecidas de raiva.

Em 1988, Albini produzira Surfer Rosa, o álbum de estreia do Pixies, e um dos discos de cabeceira de Kurt Cobain. O líder do Nirvana admitiu que Smells Like Teen Spirit, hit máximo da sua banda, foi criado para tentar emular Black Francis e companhia.

O problema, entre aspas, é que Kurt superou qualquer popularidade do Pixies com esse álbum. E, de certa maneira, ele queria buscar a essência. Depois de passar pelo Brasil, em conturbada passagem em 1993, onde Kurt e banda gravaram algumas demos em um estúdio no Rio de Janeiro, a banda rumou para Minnesota para gravar com Albini.

Em 14 dias, In Utero estava pronto. Uma obra crua, intensa. O álbum pulsava a energia do caos emanada pelo trio, principalmente por Kurt. Injustiçado, Albini foi culpado pela gravadora pelo som cru e pouco comercial. Uma briga intensa nos bastidores, por fim, decidiu por um polimento no material criado em Minnesota a ser feito pelo veterano Bob Ludwig. Ainda depois, Scott Litt remixou os singles (All Apologies, Heart-Shaped Box e Pennyroyal Tea), para a fúria do produtor original.

Albini nunca levou a história numa boa, óbvio. Quando o entrevistei, em 2013, para celebrar os 20 anos de In Utero, cujo aniversário também incluiria o lançamento de uma versão mais próxima daquela de Albini, ele não parecia particularmente feliz. Era um sábado a tarde, também, o que pode ter contribuído na adorável rabugice do outro lado da linha telefônica.

Steve Albini morreu com 61 anos. E quase o vimos ao vivo, com a sua seminal, crua e tão-punk-que-não-tem-Spotify banda Shellac. Ele era parceiro de longa data dos curadores do festival catalão Primavera Sound – o Shellac era considerado uma instituição no tradicional festival realizado em Barcelona.

E Albini havia confirmado a presença do Shellac, assinado a carta de intenções. Quando se deixou a mesa de negociações e partiram para a burocracia de uma vinda para o Brasil, Albini desistiu.

A resposta oficial para o cancelamento foram “circunstâncias imprevistas”, mas a verdade é que tudo se tornou burocrático demais (emitir contratos, fazer visto de trabalho, comprar passagens, criar a logística…). E, quando se conhece Albini, é fácil abrir um sorriso ao pensar que ele simplesmente achou o processo complexo e preferiu ficar em seu estúdio, com o que mais gostava: assinando a engenharia de som de algum disco punk.

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