Talentos petropolitanos que elevam o nome da cidade no Brasil e no mundo: Andréa Pachá
Aos 60 anos, a desembargadora e escritora petropolitana Andréa Pachá é destaque não apenas nos tribunais, mas também nas estantes de seus admiradores e nas redes sociais. Lá, além de refletir sobre questões contemporâneas que permeiam o Direito, a Justiça e a sociedade, compartilha suas impressões sobre livros, filmes, peças e tudo o mais que a interessa. Com obras bem-sucedidas, como “A Vida não é Justa” e “Segredos de Justiça”, com adaptações para a TV e o teatro, “Velhos são os Outros” (finalista do Prêmio Jabuti 2019), e “Sobre Feminismos”, a petropolitana mantém uma relação de grande afeto com a sua cidade natal.
“Petrópolis é a cidade onde eu nasci, onde me formei afetivamente e educacionalmente. Fui aluna até o ensino médio do Colégio Werneck, é onde eu tenho os maiores vínculos que me transformaram na pessoa que eu sou hoje. Tenho uma relação com a cidade de afeto e acolhimento”, ressalta.
Desejos múltiplos, saberes distintos
Antes de ingressar na magistratura, Andréa trilhou caminhos diversificados, atuando como roteirista e produtora de teatro. Essas experiências foram uma extensão natural de sua busca por diferentes saberes e profissões. A decisão de retornar à magistratura foi motivada, em parte, pela maternidade, mas ela sempre manteve viva sua paixão pela advocacia, assim como sua afinidade com as artes. “Os meus desejos sempre foram múltiplos, nunca quis uma coisa só. Quando trabalhei com teatro, com cinema, eu já era graduada em Direito, já tinha um escritório de advocacia, e quis experimentar outros saberes, fazer incursões em outras profissões. Quando eu voltei pra magistratura também não foi uma grande transformação, foi quase como uma escolha natural, porque eu nunca deixei de gostar e de admirar o espaço profissional do Direito, assim como admiro e gosto do espaço da arte e da cultura. Em 1994, quando ingressei para a magistratura, o que me moveu a investir e escolher uma profissão mais estável foi a maternidade, mas de toda forma eu nunca abri mão de nenhum desses projetos profissionais em detrimento de outros. Penso que a gente pode querer desejar muitas coisas ao mesmo tempo”, explica.
Questionada sobre como foi ver suas obras ganhando os palcos, Andréa lembra o que sentiu e vivenciou ao longo de sua experiência. “Ver um trabalho de literatura transformado em audiovisual foi muito gratificante. Deu frio na barriga, porque escrevi essas histórias com um profundo respeito a experiência que tive durante 20 anos, observando aqueles casais em momentos de grande dor e angústia, vivendo um processo de ruptura, de separação, mas foi muito bonito perceber que a ficção comporta múltiplos olhares. Cada história é contada de uma forma, exatamente porque quem conta é uma pessoa diferente. Então, a experiência que tive observando aquelas audiências, podendo transformá-las em histórias, que foram não apenas para a televisão [Fantástico], mas também para os palcos [virou uma peça de teatro protagonizada pela Léa Garcia e Emiliano Queiroz] foi motivo de muita felicidade. É um privilégio poder transitar por esses espaços e ver essas histórias chegando a tantas pessoas.”
Em que sentido a vida não é justa?
“Velhos são os outros” é fruto da experiência da autora em uma Vara de Sucessões, abordando questões relacionadas ao envelhecimento. Nesse contexto, a passagem do tempo é central, especialmente na velhice, vista como uma jornada em direção ao fim. “Quando escrevi “Velhos são os outros” estava presente não só o olhar para as pessoas que envelhecem, como a passagem do tempo na minha própria vida. São poucas as questões que nos impactam e afetam ao longo da existência, e o tempo é uma delas. Em qualquer momento da vida, podemos pensar no tempo como um fator de transformação. Notadamente, na velhice é como se estivéssemos nos preparando para um momento final nessa experiência na terra que tem começo, meio e fim. Em que sentido eu diria que a vida não é justa? Nesse sentido. A vida é uma experiência potente, maravilhosa, é um privilégio. Quer dizer, o dom da vida é uma experiência que a gente deveria usufruir com mais intensidade, mas na minha percepção a injustiça vem justamente dessa perspectiva de que um dia ela chega ao fim. E muitas vezes você fazer o bem, fazer a coisa certa, não necessariamente te leva ao reconhecimento ou à premiação. A injustiça é inerente à nossa condição humana”, explica.
Em “Sobre feminismos”, lançado em 2021, Andréa Pachá e Vilma Piedade exploram temas como luta antirracista, envelhecimento, maternidade e solidão. Quando questionada sobre como essas interseccionalidades influenciam o sistema judicial e de que maneira as discussões propostas no livro podem impactar as políticas públicas e a sociedade em geral, a desembargadora petropolitana destaca a impossibilidade de se pensar em Direito e Justiça sem que o gênero e a raça interfiram nessa percepção. “Durante muitos anos, nós afirmamos os direitos fundamentais ignorando que muitos deles não chegavam às minorias, especialmente às minorias raciais e de gênero. Então, todas às vezes em que você pensa em afirmação de Direito é fundamental pensar na interseccionalidade, porque é dessa experiência, dessa investigação, dessa visibilidade de minorias, que foram silenciadas durante muitos anos, que esses direitos ganharão consistência e efetividade. Essa ideia de falar sobre a luta antirracista, envelhecimento, maternidade e solidão, em co-autoria com a Vilma, não foi proposital, não foi uma pauta, foi aparecendo naturalmente porque são questões que se mostram hoje relevantes na contemporaneidade e para os desafios os que precisamos enfrentar”, ressalta.
Suas experiências em uma Vara de Família e em uma Vara de Sucessões proporcionaram um material sem igual para seus livros, o que por si só justifica o sucesso que eles continuam fazendo desde a primeira publicação. Porém, a maneira como Andréa conta as histórias, em primeira pessoa, revela o lado humano – dela e dos outros – especialmente quando se fala em temas como o fim do amor, os conflitos familiares e o envelhecimento.
“Essas experiências acabam aparecendo em todas as histórias que eu escrevo, porque como escrevi esse livro em primeira pessoa, invariavelmente, me coloco assustada, estarrecida, comovida ou afetada por aqueles conflitos que experimentei. Então, observar o cotidiano e ter um olhar e uma escuta afinada para verdadeiramente perceber o outro é um canal que altera e marca profundamente a nossa percepção de vida e de justiça. Engraçado é que esse livro foi escrito antes de as redes sociais ganharem a proporção que elas têm hoje, então era um ambiente social e coletivo que permitia a alteridade de uma forma mais completa. Hoje você vive cercado por uma linguagem que te leva ao justiçamento, ao binarismo, à redução das complexidades, e a humanidade parece que não cabe nesse espaço. Então, essas histórias e o material que nos transforma em pessoas melhores, mais humanas, vem da nossa capacidade de observação do outro. Eu torço para que essa linguagem das redes não subtraia o direito que nós temos de sermos precários, contraditórios, de errarmos, de nos arrependermos e de nos conciliarmos, porque isso é o que me interessa nessa vida”, reflete.
O papel da literatura
Ao refletir sobre o papel da literatura na promoção do debate público e na conscientização sobre temas cruciais como justiça, igualdade e direitos humanos, Andréa Pachá destaca que, embora muitos conceitos sejam tradicionalmente aprendidos na universidade, a verdadeira compreensão da necessidade da rede de proteção representada pelos direitos fundamentais emerge da empatia pelo próximo.
“Como uma pessoa que estudou Direito, eu poderia dizer que nós aprendemos esses conceitos na universidade, mas isso não é verdade. A compreensão pela necessidade dessa rede de proteção, que são os direitos fundamentais, vem da compreensão do outro. E muitas vezes a literatura chega a lugares onde a ciência não chega. Muitas vezes nós conseguimos nos comover ouvindo histórias que nem sempre são reais, são de ficção, mas que nos levam a um espaço humano de observação e de compreensão. Acredito muito na literatura como um saber transformador, como um saber que nos leva a perceber a necessidade de nos envolvermos com os valores que são humanos e que nos conectam enquanto humanidade”, explica.
Desafios no Brasil
No cenário atual, há muitos desafios para a promoção da igualdade de gênero e antirracismo no Brasil. Para a desembargadora, o maior deles é o ódio e o preconceito. “Infelizmente, é nos espaços onde, graças à ignorância, as pessoas não conseguem avançar na promoção desses direitos e nessa igualdade. Nós vivemos num país profundamente desigual, machista, misógino e racista, e por isso é importante lembrarmos todas as vezes que é inaceitável conviver nesse cenário. Não é possível naturalizar o ódio, banalizar o preconceito e imaginar que viveremos em um país ou em um mundo melhor. Nosso compromisso tem que ser cotidiano, denunciando o racismo, não tolerando conviver com pessoas que o praticam, não tolerando viver com a desigualdade, com a violência de gênero. Isso não pode ser normalizado. A partir do momento em que nós normalizamos essas desigualdades, aceitando piadas ou convivendo com pessoas misóginas e racistas, legitimando a voz dessas pessoas, estamos contribuindo para que a nossa igualdade fique cada vez mais distante”, conclui.