Tallis Gomes renuncia da G4 Educação após fala machista; nova CEO é mulher

21/set 21:14
Por Beatriz Bulla e Wesley Gonsalves / Estadão

A G4 Educação, que oferece cursos para empreendedores, anunciou na noite deste sábado, 21, que o executivo Tallis Gomes renunciou aos cargos de CEO e de presidente do conselho da companhia. Ele foi um dos fundadores da G4. O anúncio acontece após a repercussão negativa nos últimos dias, no meio empresarial, de uma fala machista de Gomes, em suas redes sociais.

A G4 anunciou ainda que uma mulher assumirá o cargo de CEO. A posição será ocupada por Maria Isabel Antonini, sócia e atual diretora financeira da companhia.

“O G4 reafirma seu compromisso com a educação executiva de impacto, no qual a liderança feminina sempre esteve presente com protagonismo”, diz o anúncio da empresa. A G4 também informou que Antonini tem mais de 20 anos de experiência na liderança e gestão de negócios e que é ex-CEO da Singu, empresa que foi também fundada por Gomes.

Gomes também publicou a renúncia em sua conta no Instagram e disse ter ouvido com atenção os comentários e críticas recebidos nos últimos dias. “A empresa é maior do que qualquer um de nós e continuará na sua grande missão de ajudar na geração de empregos no nosso País através do empreendedorismo”, escreveu Gomes. “Muito obrigado por todo o suporte que tenho recebido e também pelas críticas. Só cheguei aonde estou por causa dos tombos que tomei na vida, com os quais aprendi. Esse será mais um desses aprendizados”, disse.

Ele também escreveu que se expressou de forma “inaceitável sobre o papel das mulheres”. “Injustificável”, disse na noite deste sábado.

Expulsão da Hope

Mais cedo, a marca de moda feminina Hope anunciou que decidiu expulsá-lo do conselho consultivo da companhia. A decisão ocorreu após a herdeira e sócia-diretora da companhia, Sandra Chayo, sair em defesa do empresário em suas redes sociais, o que gerou uma repercussão negativa. “Acreditamos que esse é um momento em que ele precisa refletir sobre a importância das lideranças femininas e como essa evolução traz ganhos e benefícios para toda sociedade, que não irá retroceder”, disse Chayo no novo posicionamento neste sábado.

Fala machista

O comentário publicado no Instagram por Gomes, no qual ele diz “Deus me livre de mulher CEO”, provocou uma série de publicações nas redes sociais, especialmente no LinkedIn, feitas por executivas que criticaram a fala e reforçaram o orgulho de serem líderes mulheres.

Depois da primeira postagem, quando o tema havia repercutido em grupos de WhatsApp que incluem advogadas e mulheres do setor empresarial, Gomes fez nova publicação, na qual pediu desculpas pelo “erro” e disse ter sido “infeliz ao dizer qual tipo de mulher eu gostaria para a minha vida”. Antes da retratação, ele também recebeu comentários, nas redes sociais, de mulheres ex-alunas do G4 que diziam ter se arrependido de ter pago pelos cursos da empresa.

As críticas a Gomes nos últimos dias foram feitas por nomes como a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, a empresária Luiza Helena Trajano, do Magalu, Gabriela Onofre, do grupo Publicis, a influenciadora Nathália Rodrigues, do canal Nath Finanças, Carol Paiffer, do grupo Atom, entre outras mulheres que lideram grandes companhias.

Na quarta-feira, 18, ao responder perguntas de seguidores nas redes sociais, Gomes disse que mulheres que são CEO de empresas não fazem “melhor uso da energia feminina”. Ele havia escrito que “salvo raras exceções, essa mulher (CEO) vai passar por um processo de masculinização que vai colocar meu lar em quarto plano, eu em terceiro plano e os meus filhos em segundo plano”. Ele também disse que posições como a dele exigem que o CEO seja “muito cascudo para suportar” e que “o mundo começou a desabar exatamente quando o movimento feminista começou a obrigar a mulher a fazer papel de homem” e que a mulher deve usar “a energia feminina nos lugares certos, lar e família”.

No dia seguinte, quando o tema já havia repercutido negativamente, ele disse: “Em momento algum no meu texto eu quis questionar a capacidade de uma mulher ser CEO, disse única e exclusivamente, com as palavras erradas e com o tom errado, quem eu gostaria do meu lado como minha mulher”, disse, na retratação. Ele continua, na publicação após a repercussão: “Minhas palavras não representam o que o G4 é como empresa. Temos o orgulho de merecer a confiança de muitas mulheres executivas de sucesso. Minhas mais sinceras desculpas por causar esse desconforto a todas vocês. O lugar das mulheres é onde elas quiserem estar.”

A retratação, porém, não foi suficiente para conter a repercussão negativa.

Críticas

A presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, se posicionou nas redes ao ser cobrada por uma parceria feita recentemente entre o Magalu e o G4. Luiza explicou na publicação que a relação com a empresa de Gomes era “pontual” para um evento, e não um contrato de longa duração. “Não concordo em nada com o posicionamento de um dos sócios da empresa a respeito das mulheres”, escreveu ela na publicação. “Criei três filhos trabalhando muito, inclusive como CEO do Magalu. Soube cuidar deles e dos idosos da família”, complementou.

Presidente do Publicis Groupe no Brasil, Gabriela Onofre usou o Linkedin para destacar o papel das mulheres que chefiam os negócios. A executiva disse comemorar não ser a única mulher no mercado, mas uma das diversas gestoras que ocupam o alto escalão das companhias. “Sou CEO. Sou Mulher. Sou Mãe. Sou Esposa. Gero milhões em Ebitda. E que felicidade saber que sou apenas uma entre milhares”, publicou na plataforma.

A advogada tributarista Glaucia Lauletta, sócia do escritório Mattos Filho, publicou em sua rede social que a ausência de mulheres em posições de liderança se deve, principalmente, “ao reforço de estereótipos equivocados e à disseminação de crenças limitantes”. “Tudo isso alimenta o inconsciente e o consciente coletivos, que ainda tendem a reduzir a mulher a único papel, em geral de subserviência. Negar à mulher simetria de oportunidades é injusto, vergonhoso e indigno. Além de ser um enorme desperdício. As lideranças desse mundo defeituoso em que vivemos são ocupadas, predominantemente, por um único padrão. A diversidade, em todos os seus aspectos, é o único caminho para consertarmos o que foi feito. Limitar a capacidade e a ambição da mulher é ignorância e uma total desconexão com a realidade. Indignação é muito pouco, queremos ações e mudanças. Não há mais tempo a perder”, escreveu Lauletta.

Quem é Tallis Gomes?

Tallis Gomes ganhou projeção no mundo dos negócios em 2011. Na época, com 25 anos, quando o transporte por aplicativo era uma novidade no País, ele criou a Easy Taxi. Em 2016, criou a plataforma Singu, definida como o “Uber da beleza”, ao oferecer serviços de cabeleireiro, depilação e manicure em domicílio.

A Easy Taxi se fundiu com o aplicativo de transporte espanhol Cabify, que depois fechou as portas no Brasil. A Singu recebeu investimento da Natura. Gomes chegou a figurar na lista Forbes Under 30. Gomes se autointitula um “especialista em gestão”. Ao lado de outros nomes da área, ele fundou o G4 em 2019, uma escola de negócios que diz oferecer mentoria sobre vendas, gestão, marketing e inteligência artificial para empreendedores, fundadores, gestores.

Não é a primeira vez que suas falas ganham repercussão. Neste ano, em um podcast, ele já afirmou que não contrata “esquerdista” e que seus funcionários trabalham “80 horas por semana”.

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