‘Temos de levar em conta risco de recessão global’, diz economista do BofA
O Bank of America passou a prever um quadro de recessão leve nos Estados Unidos neste ano após o anúncio, na semana passada, de que a inflação chegou ao patamar mais elevado desde 1981. Depois disso, dados da maior economia do mundo têm sido mistos, o que traz volatilidade aos mercados e dificulta as previsões. Não mudam, porém, o cenário visto pelo gigante de Wall Street.
Para a próxima decisão de juros no país, que sai nesta semana, o novo economista-chefe do Bank of America para os EUA, Michael Gapen, prevê outra alta de 0,75 ponto porcentual e faz menção ao Brasil, o que soa como um alerta duplo: o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) não faz movimentos tão agressivos nem gosta de surpreender.
Gapen entende e gosta do Brasil – e, em especial, dos brasileiros. Quando era economista do Fundo Monetário Internacional (FMI), prestou assessoria de política econômica em apoio ao empréstimo de US$ 30 bilhões do organismo ao Brasil, onde já esteve em algumas ocasiões.
Para ele, hoje há dois fatores que pesam contra os mercados emergentes: o dólar mais forte e os temores de uma desaceleração global, pesando nas exportações.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O Bank of America reforçou o coro de Wall Street quanto a uma recessão nos EUA neste ano. Quais foram as razões que motivaram a mudança de cenário?
Há três principais. Primeiro, os dados apontam para uma desaceleração da atividade econômica. Existe um debate sobre o quanto, mas está claro que a demanda doméstica está desacelerando. O segundo ponto é o choque de renda real. A inflação vem corroendo o poder de compra das famílias. E, finalmente, é claro, as condições financeiras mais apertadas. O Fed está sinalizando que quer apertar a política e os mercados já levaram isso em consideração. Essas três razões juntas devem desacelerar a atividade econômica à medida que o Fed tenta controlar as pressões inflacionárias. Então, mudamos nosso cenário para uma recessão leve.
Quais são suas expectativas para a reunião do Fed nesta semana?
Nós acreditamos que o Fed elevará os Fed Funds em 75 pontos-base (0,75 ponto porcentual). Houve alguma especulação após o relatório de inflação de que o Fed poderia elevar as taxas em 100 pontos-base (1 ponto porcentual) em julho. Mas vários membros do Fed disseram na semana passada que não. Então, vamos apenas dizer que isso não é o Brasil. O Fed não gosta de surpreender no aumento de taxas. Se quisesse aumentar as taxas em 100 pontos-base, teria sinalizado. Mas todos (os membros) disseram que não, que um aumento de 75 pontos-base está bom. Então, achamos que será outra alta de 75 pontos-base. Lembre-se de que o balanço patrimonial já está encolhendo, e o Fed reafirmará que esse plano provavelmente permanecerá.
E quanto às próximas reuniões do Fed? E em 2023, os juros voltam a cair?
Temos aumentos de juros até o fim do ano. Portanto, seria um aumento de 50 pontos-base (0,5 ponto porcentual) em setembro e, em seguida, mais duas altas de 25 pontos-base (0,25 ponto porcentual). Isso levaria os juros para 3,5%. Se a nossa perspectiva de uma recessão leve no fim deste ano se confirmar, achamos que haveria espaço para o Fed começar a cortar as taxas no terceiro trimestre do próximo ano. Então, cortaria 25 pontos-base, reduzindo os Fed Funds para cerca de 3% até o fim de 2023. Se estivermos errados e a economia tiver mais impulso do que pensamos, e a recuperação ir além, pode ser que o Fed continue a aumentar as taxas no início de 2023. O Fed pode continuar adicionando aumentos de 25 pontos-base ou fazer uma pausa por um tempo e, então, perceber que a economia não está esfriando, e que terá de voltar a subir os juros na segunda metade de 2023.
O senhor falou de Brasil. O Banco Central brasileiro começou a elevar os juros antes devido à inflação elevada, mas o cenário internacional preocupa, com a subida das taxas nos EUA e na Europa, fora as incertezas globais com a guerra na Ucrânia. Como o senhor vê o ambiente atual impactando as economias emergentes?
Há duas coisas que estão se unindo e que não são muito favoráveis para os mercados emergentes. Uma delas é o dólar forte em um ambiente de risco e um ambiente em que o Fed está elevando sua taxa básica de juros mais rapidamente do que pelo menos outras economias desenvolvidas. O dólar tem estado bastante forte. E um dólar forte tende a prejudicar os mercados emergentes, principalmente os países que tomaram empréstimos em dólares.
E o segundo fator?
O segundo é que o Fed não é o único banco central, como você mencionou, que está subindo os juros. Isso está acontecendo na maioria dos bancos centrais, em todo o mundo. E eu penso que tem de se levar em conta o risco de uma recessão global. O crescimento nos EUA está diminuindo também. Obviamente, os mercados emergentes tendem a depender do crescimento global para as exportações – o Brasil menos do que outros, é claro. Mas eu diria que esses são os dois fatores que estão trabalhando contra os mercados emergentes agora: o dólar mais forte e os temores de uma desaceleração do crescimento global.
Então, sua visão é de um dólar forte à frente?
Sim. No contexto atual, quando estamos preocupados com os ativos de risco globalmente, o dólar tem de se beneficiar enquanto o Fed aumenta as taxas vis-à-vis outros bancos centrais de economias desenvolvidas. Então, sim, estamos em um período onde provavelmente o dólar estará forte.
Ainda sobre sua menção ao Brasil, os brasileiros conhecem bem o desafio de uma economia com juros altos. Quais são os riscos de manter as taxas elevadas por muito tempo?
O risco é corrigir em excesso e desacelerar demais a economia doméstica. Essa é uma preocupação para o Fed e outros bancos centrais que enfrentam inflação alta. Tem uma escolha ruim, certo. Se eles não fizerem nada, as pressões sobre os preços provavelmente aumentarão e permanecerão elevadas, e o Fed estaria faltando em um lado de seu mandato. Se eles apertarem para tentar conter a inflação, correm o risco de uma desaceleração mais acentuada, o que também seria um problema. Portanto, é uma posição difícil, mas o que eu acho que a maioria dos banqueiros centrais diria é que o que sustenta bons resultados macroeconômicos no longo prazo é inflação baixa e estável. Assim, as famílias e as empresas podem tomar decisões sem realmente pensar onde está a inflação. Esperamos que o benefício seja um ambiente macro mais estável ao longo do tempo, mas, novamente, o risco é colocar as taxas de juros muito altas, os custos reais dos empréstimos são muito altos e a atividade econômica diminui mais rapidamente do que se deseja.
E qual sua visão quanto às incertezas globais, o risco de uma recessão ou de uma crise fiscal?
A incerteza é alta. Nós tivemos uma espécie de surto de incertezas por algum tempo. Existe o risco geopolítico em torno da invasão da Rússia à Ucrânia e a tentativa de redefinir o equilíbrio de poder na Europa. Também temos preocupações com o crescimento global. A China ainda está implementando uma política de tolerância zero à covid-19. O Fed e outros bancos centrais estão apertando as condições financeiras. E, como nós sabemos, não estamos completamente livres da pandemia. Não podemos descartar totalmente o surgimento de outra variante. Portanto, há muita incerteza.
Há um debate sobre a credibilidade do Fed e de outros bancos centrais, que inclui questões como o momento do início da subida dos juros. Qual a sua opinião?
A inflação ficou muito mais alta do que o Fed pensou que seria. É mais alta do que eu pensei que seria também. E talvez o Fed esteja atrasado nessa (questão). É justo dizer e isso é verdade. Mas quando uma forma de avaliar o mercado ou uma forma de avaliar a credibilidade é olhar para os preços de mercado, o mercado acha que a inflação agora está alta para sempre? Não. O Fed ainda é visto como confiável, mantém a sua credibilidade.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.