Tenho Medo da Volta de Cristo?

17/nov 08:00
Por Mons. José Maria Pereira

Chegamos às duas últimas semanas do Ano Litúrgico.

A Palavra de Deus convida-nos a meditar no fim último do homem, no seu destino além da morte. A meta final, para onde Deus nos conduz, faz nascer em nós a esperança e a coragem para enfrentar as adversidades e lutar pelo advento do Reino.

Os últimos domingos do final do Tempo Comum e os dois primeiros do Advento querem levar os discípulos de Cristo a viverem a dimensão escatológica da vida cristã. Escatológico significa aquilo que se refere às últimas realidades já presentes no aqui e agora da vida cristã, sobretudo após a Ressurreição de Cristo. Vem da palavra “escaton”, que significa o fim, as últimas coisas.

O Profeta Daniel (Dn 12, 1-3) mostra o povo judeu oprimido sob a dominação dos gregos. Muitos judeus, apavorados pela perseguição, abandonavam até a fé …

O objetivo desse livro era animar o povo a resistir diante dos opressores e lembrar que a vitória final será dos justos que perseverarem fiéis. É a primeira profissão de fé na Ressurreição, que se encontra na Bíblia.

Já no Evangelho (Mc 13, 24-33), no discurso escatológico, Jesus ensina como os seus discípulos devem viver no tempo que vai de sua elevação da terra até o seu retorno glorioso. Jesus anuncia a destruição de Jerusalém e o começo de uma nova era, com a sua vinda gloriosa após a Ressurreição. São Marcos apresenta-nos uma parte do sermão de Jesus sobre o fim dos tempos. Neste sermão, há uma frase que surpreende pela sua clareza sintética: “O Céu e a Terra passarão, mas as Minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31). 

A expressão “o Céu e a Terra” é frequente na Bíblia para indicar todo o Universo, a Criação inteira. Jesus declara que tudo isso está destinado a “passar”. Não só a terra, mas também o céu, que aqui é entendido precisamente em sentido cósmico, não como sinônimo de Deus. A Sagrada Escritura não conhece ambiguidades: toda a criação está marcada pela finitude, incluídos os elementos divinizados pelas antigas mitologias: não há confusão alguma entre a criação e o Criador, mas uma diferença evidente. Com essa clara distinção, Jesus afirma que as suas palavras “não passarão”, ou seja, estão da parte de Deus e por isso são eternas.

A intenção não era assustar, mas conduzir a comunidade a discernir os fatos catastróficos e o futuro da comunidade cristã dentro da história.

Não deviam ver como o fim do mundo, mas o início de um mundo novo. Portanto, não deviam dar ouvidos a pessoas que anunciavam o fim do mundo. Jesus não descreve o fim do mundo e, quando usa imagens apocalípticas, não se comporta como um “vidente”. Ao contrário, Ele quer subtrair os discípulos de qualquer época da curiosidade pelas datas, pelas previsões, e deseja ao contrário dar-lhes uma chave de leitura profunda, essencial, e sobretudo indicar a senda justa sobre a qual caminhar, hoje e amanhã, para entrar na vida eterna. Tudo passa – recorda-nos o Senhor – mas a Palavra de Deus não muda, e face a ela cada um de nós é responsável pelo próprio comportamento. Com base nisso seremos julgados.

Quanto ao dia e hora, só o Pai sabe…, mais ninguém…

Para nós, o mais importante não é saber quando isso irá acontecer, mas, sim, estar vigilantes e preparados para ele.

De um lado, a criação anseia pela manifestação dos filhos de Deus (Rm 8, 19-23); do outro, os crentes clamam “Maranà thá” (Vem, Senhor) pela vinda do Filho (1Cor 16, 22). O encontro entre o Filho e as criaturas, especialmente os seres humanos, é a finalidade suprema da Criação. Com efeito, por ele, nele e para ela tudo foi feito (Cl 1, 15ss.); ele é a vida de tudo o que existe (Jo, 1, 3-4).

Associamos fim do mundo com destruição, morte, aniquilação. Na visão bíblica, o “fim” é a “finalidade” mais desejada, a meta pela qual se luta, a felicidade que se busca e nunca se encontra: é o encontro entre o Pai e os filhos, entre o Filho e os irmãos, entre o Criador e as criaturas, entre o Amor e os amados, entre o Esposo e a esposa (Ap 22,17ss.).

O cristão não pode ficar de braços cruzados, esperando que as coisas, simplesmente, aconteçam.

A vida é realmente muito curta, e o encontro com Jesus está próximo. Isso ajuda-nos a desprender-nos dos bens que temos de utilizar e aproveitar o tempo; mas não nos exime de maneira nenhuma de dedicar-nos plenamente à nossa profissão no seio da sociedade. Mais ainda: é com os nossos afazeres terrenos, ajudados pela graça, que temos de ganhar o Céu.

E que a humanidade não caminha para a destruição, para o nada; caminha ao encontro da vida plena, ao encontro de um mundo novo. Não será o fim, mas o verdadeiro começo. Como lembra o Salmo: “Vós me ensinais como caminho para a vida; junto a Vós felicidade sem limites, delícia eterna e alegria ao vosso lado” (Sl 15(16).

Cristo, que veio, pela primeira vez ao mundo em humildade e sofrimento para o redimir do pecado, regressará no fim dos séculos, em todo o esplendor da Sua glória para recolher os frutos da Sua obra redentora.

É curioso rezarmos, muitas vezes, “venha nós o Vosso reino” e, ao mesmo tempo, muitos cristãos morrerem de medo da volta gloriosa de Cristo, o chamado fim do mundo. Isso porque morte e fim do mundo soam para eles como catástrofe que um dia deitará por terra os planos e aspirações em que concentraram toda a vida.

“Creio que há de vir para julgar os vivos e os mortos. E o seu Reino não terá fim”. Ou seja, o sentido não está na destruição. A Bíblia entende como fim de um mundo, não do mundo. O centro do quadro traçado por Jesus não consiste numa catástrofe cósmica, mas, na sua volta, que é a finalidade do mundo, ou seja, a meta à qual se dirige a história para chegar à plenitude.

O Evangelho indica a vitória de Cristo, ou seja, vitória definitiva do amor sobre o pecado, da graça sobre a culpa, da eternidade sobre a existência mortal. E a sua vitória passa a todos os que creem nEle e nEle vivem.

Compreende-se, assim, como a Igreja primitiva, enamorada de Cristo e ansiosa por contemplar novamente o Seu rosto glorioso, esperasse impacientemente a Sua volta. “Vem Senhor Jesus” (Ap 21,20), era a invocação fervorosa dos primeiros cristãos que viviam com o coração voltado para Ele, como se já estivesse à porta. Esta mesma deve ser a atitude de quem compreendeu o sentido profundo da vida cristã: uma espera de Cristo, um caminhar para Ele com a lâmpada da fé e do amor bem acesa.

Agora, na intimidade da nossa alma, dizemos a Jesus: “Procuro, Senhor, a Tua face, que um dia, com a ajuda da tua graça, terei a felicidade de ver face a face” (Sl 26,8).

Da nossa parte, devemos estar atentos aos sinais de Deus, confiantes nas palavras de Cristo, que nos garantem: “o Céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13, 31).

Ignoramos o tempo e a maneira da transformação do universo, o que a Escritura chama de céus novos e terra nova. Será a realização definitiva do projeto de Deus Pai de, em Jesus, recapitular todas as coisas. A felicidade irá satisfazer e superar todos os desejos dos homens. Neste universo novo, Deus terá a sua morada entre os homens. Nunca mais haverá morte, nem luto, nem clamor, e nem dor haverá mais. A visão face a face, na qual Deus se revelará aos eleitos, será a fonte inesgotável de felicidade e de paz.

Como o dia e a hora não foram revelados, a Bíblia insiste numa decisão pronta, sem demora. Essas coisas permanecem ocultas para que estejamos sempre preparados. Na espera da volta de Cristo, os cristãos devem permanecer vigilantes, atentos e ativos. É um apelo à nossa fé nAquele que é Senhor e Salvador do universo. Apelo à vigilância, para não vivermos de costas para esse dia definitivo. E temos à disposição somente um tempo limitado.

Estar de malas prontas para a última viagem. Estar pronto trata-se de uma atitude interior. O modo com o qual desenvolvemos a nossa vida, as nossas normais ocupações, é o modo no qual esperamos ou não esperamos o Senhor. Devemos estar atentos ao silencioso passo de Deus por nossos caminhos, com os olhos fixos na meta futura, sem nos deixarmos distrair e submergir na trivialidade e na frivolidade. Se vivermos na observância de seus mandamentos e no seu amor, a sua chegada não nos deixará constrangidos, e estaremos contentes de que Ele nos chame para estarmos com Ele para sempre.

O que para uns é o fim, para nós é alegre anúncio de que, no horizonte da vida, surge o Salvador e Rei do universo: Jesus Cristo. Quem espera o Senhor com a certeza da fé, está convencido dessa alegre esperança, reza com convicção “venha a nós o vosso reino”.

Cada um deve se perguntar: Tenho medo da volta de Cristo? Que amor é esse que teme encontrar-se com Jesus? Faço o que Ele pediu para receber o que Ele prometeu? Vivo de malas prontas para a última viagem, para comparecer diante de Deus? Cada um deve responder com a oração e com a vida até que Ele venha.

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