“Terra Madura”: novo livro de Leonardo Boff propõe uma revolução de consciência para salvar o planeta

Por Aghata Paredes

Na última semana, Leonardo Boff esteve em São Paulo para o lançamento e roda de conversa a respeito de seu livro, recentemente lançado pela Editora Planeta. Na obra, o ecoteólogo, filósofo, professor e escritor explora a questão da crise ambiental, propondo soluções transformadoras para lidar com os desafios que o mundo enfrenta. A leitura é um convite à descolonização do pensamento e à espiritualidade como resposta aos desafios ambientais.

Em uma entrevista exclusiva à Tribuna de Petrópolis, Boff contou qual foi a inspiração por trás de seu título, a relação entre espiritualidade e sustentabilidade e a influência da ecoteologia, aspectos abordados na obra escrita ainda durante a pandemia.

Segundo o teólogo, o título “Terra Madura” reflete a necessidade de quebrar as amarras do pensamento colonial e desenvolver categorias próprias, um chamado à autonomia intelectual. “O título é a tradução do nome que os povos originários davam ao nosso continente: Abya Yala. Ela significa “Terra madura”; “Terra de sangue vital”. Está na hora de mostrar que somos mesmo Terra Madura, livre para pensar por si mesma.”, explica. 

Foto: Arquivo Pessoal

Espiritualidade e Sustentabilidade

Diante dos desafios ambientais atuais, Boff enfatiza a sobrecarga do estado do planeta, alertando que é preciso mais de uma Terra e meia para atender ao consumismo vigente. A resposta, segundo ele, vai além da ciência e técnica. “Precisamos de valores que garantam a saúde da Terra e a nossa permanência nela. Esses valores são espirituais, não tangíveis e não se encontram no mercado. Encontram-se no coração humano, no nosso sentido de corresponsabilidade, na solidariedade, na justa medida entre intervenção na natureza e sua preservação. Precisamos de um laço afetivo para com a Terra, tida como a Grande Mãe, a Gaia dos modernos, e amá-la. Além disso, temos que tomar consciência de que somos parte dela. A esses valores chamamos de espiritualidade. Não necessariamente eles derivam das religiões, mas do profundo humano. É uma fonte originária da qual nascem as várias religiões que bebem e se alimentam dessa fonte espiritual.”, defende. 

De “dono e senhor” para “irmão e irmã” da Terra

A experiência de Boff ao longo de 30 anos trabalhando o tema da ecologia, especialmente sua participação na criação da Carta da Terra, influenciou profundamente “Terra Madura”. “A carta é fruto de 8 anos de consulta em todos os países e do trabalho em grupo de 25 pessoas encarregadas de recolher o melhor das milhares de contribuições e elaborar um texto curto e claro sobre novos valores e princípios que possam garantir a perpetuidade da vida na Terra. O texto foi concluído no ano 2000 em Paris e assumido pela ONU em 2003 para ser fonte inspiração para práticas alternativas e na formação de uma consciência ecológica na sociedade especialmente nas escolas.”, explica.

Frente às crises globais, em “Terra Madura”, Boff destaca a proposta central de uma nova relação com a natureza e a Terra. Segundo o teólogo, a mudança da mentalidade de “dono e senhor” para “irmão e irmã” é crucial. Para tanto, ele invoca a encíclica o Papa Francisco, “Fratelli tutti”, como um guia para essa transição. “Essa travessia teria o condão de garantir a continuidade da vida da natureza, da Terra e a nossa, humana. Portanto, é nossa relação com a natureza e a Terra que deve imperiosamente mudar.”, destaca.

“Terra Madura” é, então, um apelo à mudança urgente e à conscientização coletiva. “Precisamos estar atentos ao que está ocorrendo na natureza e perceber a conexão entre os fatos, como as grandes enchentes no sul do país e, simultaneamente, a grande estiagem no norte amazônico, ou ainda o intenso frio nos países nórdicos, atingindo temperaturas abaixo de 40º, enquanto no Rio a temperatura alcançou 40º com sensação térmica de 50º. Estes eventos não são fortuitos; são expressão de uma mudança no clima da Terra. Tudo indica que essa transformação seja irreversível. Os efeitos, especialmente sobre as populações vulneráveis, podem ser altamente danosos, levando à migração de milhões de pessoas devido ao aumento excessivo da temperatura em suas regiões, resultando na perda das safras de grãos. Essa situação global provavelmente exigirá uma governança global, ou seja, um centro de poder composto por representantes de todos os povos e forças sociais para pensarem coordenadamente nos problemas globais. Essa circunstância exigirá mais do que nunca os valores da espiritualidade, da solidariedade, do cuidado, da compaixão e da mútua ajuda, como temos enfatizado anteriormente.”, ressalta.

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo, professor e escritor, além de colunista semanal da Tribuna de Petrópolis, tendo escrito inúmeras obras sobre a questão ecológica.

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