Toda estrada tem uma estrela-guia

12/08/2019 10:05

Inicialmente vamos entrar em algumas divagações, sob o ponto de vista cultural, sobre as estradas que trilhamos no transcorrer da nossa vida. “A estrada da vida é o que acontece enquanto estamos fazendo outros planos.” – John Lennon. A importância de Fellini para o neo-realismo, movimento do qual “A Estrada” (“La Strada”), não deixa de ser fruto, foi ter reafirmado a validade desse antídoto no cinema italiano do pós-guerra. 

“La Strada” é o encontro entre Zampanò e Gelsomina ou, se quisermos, entre Anthony Quinn e Giulietta Masina, seus intérpretes. Encontro também, este mais conturbado, entre Fellini e Quinn, porque afinal “La Strada” é mais um destes clássicos do cinema moderno do pós-guerra que nasceu do encontro entre uma estrela hollywoodiana insatisfeita e um cineasta europeu emergente. Ele não negligencia a condição social das personagens, mas parece mais interessado em revelar-lhes a personalidade. Gelsomina, a encarnação do espírito da infância, e Zampanò, encarnação da brutalidade e do egoísmo masculinos, dois personagens destinados a nunca se entenderem. A estrada que trilham foi criada por eles mesmos e tem como estrela guia os seus destinos. Do encontro entre a inocência (maculada) de Gelsomina e a brutalidade (culpada) de Zampanò, o espectador dificilmente sai o mesmo. “La Strada” é um desses clássicos que nos prende para sempre em sua teia de afecções. A obra de Paul Gauguin, “De Onde Viemos? O Que Somos? Para Onde Vamos?” pintado com cores exóticas é, possivelmente, o quadro mais ambicioso do artista. O cenário da pintura é o Taiti, lugar no qual o pintor passou a maior parte de seus últimos dez anos. Os corpos sólidos e sensuais que aparecem na pintura, assim como as formas sinuosas das árvores e o colorido intenso, evocam o paraíso tropical, parte real e parte imaginário, que o inspirou. A obra conta uma história, assim como várias outras de Gauguin. As figuras nos planos mais próximos representam o ciclo de vida, refletindo as questões propostas pelo pintor no título de sua obra. O ciclo se inicia na direita, com um bebê dormindo, e termina na extrema esquerda, com uma mulher velha e uma ave. A ave simboliza a estrela guia. O quadro “Os dois caminhos” estigmatiza a vida urbana e privilegia, em termos de uso intenso das cores verde e como espaço, a vida rural. Nesse ambiente bucólico, o caminho estreito é como se fosse uma trilha, que apesar da subida é uma viagem ao campo. Seria sintoma que os receptores dessa mensagem, assim como o anônimo produtor, sempre se deu melhor na zona rural do que na urbana? Talvez, por esse motivo, a destruição ou o lado negro da força, é apenas uma extensão da vida urbana e a salvação uma cidade na qual há um misto de vida campesina e urbana, que tem no centro um cordeiro entronizado. Porém, tudo está sendo observado por um olho (a estrela guia), que dentro de um triângulo (santíssima trindade) vê e acompanha todo o drama cósmico. São três divagações sobre o mesmo tema e possíveis temas de pesquisa e estudo. No filme do Fellini, no quadro do Gauguin e “Nos dois caminhos” as estradas são as mesmas, pois elas estão e existem dentro de cada um. Uma coisa também é certa, todas têm uma estrela guia que nos conduz ao final desejado. Dentro de cada um a estrela ilumina o verdadeiro caminho. Procure, ela o guiará. Olhe o céu e ela lá estará. Procure não se deixar influenciar pelas situações, confie na estrela e evite preocupações. Agradeça! “A criança que fui chora na estrada. Deixei-a ali quando vim ser quem sou. Mas hoje, vendo que o que sou é nada, quero ir buscar quem fui onde ficou”. – Fernando Pessoa.

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