Tonha e o Outubro Rosa

06/10/2017 08:24

Ou por uma questão cultural ou, simplesmente, por uma questão financeira, o brasileiro não costuma ser previdente. Só consegue se lembrar de colocar cadeado e nova fechadura depois que a casa foi roubada, assim como também só se lembra de ir ao dentista, quando está morrendo de dor de dente. O índice de mortalidade por câncer de mama só não é menor por falta de prevenção, ou seja, por falta de exames periódicos. O mês atual é reconhecido internacionalmente como outubro rosa, ou seja: mês para prevenção do câncer de mama. Eu ainda era criança  quando perdi Tonha, minha ama de leite. Tonha, mulher centenária, chegou a pegar o final dos tempos da escravidão.

 Durante um longo período fez parte de nossa família. Porém, por ironia do destino, e por desejar total independência, resolveu mudar-se, alugando um barraco numa favela próxima de nossa casa, no bairro do Sampaio, no Rio de Janeiro. Para sobreviver, passou a lavar e a passar roupa para os fregueses que conseguiu arranjar. Para isso, tinha que pegar latas d’ água, numa bica que ficava no início da rua em que morávamos e subir com ela equilibrando-a sobre a cabeça. Um tremendo exercício até para uma mulher jovem.

 Lavava as roupas no morro e as punha para enxaguar sobre uma grande pedra. Certo dia, durante uma dessas lavagens, escorregou e caiu sobre a pedra. Não se cuidou da pancada que sofreu diretamente nos seios. Tonha nunca namorou, nunca casou e imagina-se que veio a falecer ainda virgem. Solteirona, religiosa e pudica ao extremo não revelou para ninguém sobre o inchaço e a mancha roxa que havia se formado em torno dos seios. Resumindo, quando se deu conta da doença o processo cancerígeno já estava avançado e já havia se espalhado para outros órgãos. Tal fato faz-me lembrar de uma frase que Abelardo Romero, meu saudoso pai,costumava dizer – a doença que mais mata o povo brasileiro é a ignorância. Sim, por ignorância e excesso de pudor perdi minha ama de leite (para verem como sou antigo) e pessoa muito querida por todos de nossa família. Portanto minha amiga leitora, seja previdente.

Esqueça um possível pudor e, periodicamente, marque uma consulta com seu médico. Morrer, todos nós iremos um dia, entretanto, não devemos abreviar esse dia por pura ignorância. A ciência médica, assim como fez Pilatos, irá lavar as mãos e Deus Pai, que nos deu inteligência, não irá gostar de ter que abreviar a vida de um de seus filhos em virtude de sua ignorância.

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